O filme "A Savana e a Montanha" estreia esta quinta-feira em Portugal. Quase um ano depois da "premier" na Quinzena dos Cineastas de Cannes, em França, a película, que retrata a luta de Covas do Barroso, em Boticas, contra uma mina de lítio estende-se a partir de hoje por várias salas portuguesas.
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Terceira longa metragem de Paulo Carneiro, "A Savana e a Montanha" tem sessões em Braga, Coimbra, duas salas, Leiria, Lisboa, cinco salas, Porto, três salas, e Vila Real. O filme recupera a forma como a comunidade descobriu os planos da mina de lítio da “Savannah Resources” planeada para as serras que dão colo a Covas do Barroso. Da surpresa e do choque iniciais, de uma forma "bem disposta, apesar da temática dura" retrata como as pessoas, de uma forma algo inocente, se uniram e deram início à luta contra a exploração mineira, que dura há sete anos, desde 2018.
"É um filme que mostra a luta contra um inimigo invisível, mas através da ironia das próprias pessoas. Vestem-se de cowboys e índios e lutam contra eles mesmos", conta o realizador, Paulo Carneiro. Através da sétima arte, a população de Covas do Barros está "a combater uma constante do nosso quotidiano, a impotência política", acrescenta o artista, que vai estar presente em sessões especiais de exibição da película em Amarante, Caldas da Rainha, Funchal (Madeira), Grândola, Ilha do Faial (Açores), Montemor-o-Novo, Santarém, Odemira, São Brás de Alportel e Seia.
"Enquanto pensamento, é um filme que nos quer tirar dessa impotência política e nos dá esperança, que se nos juntarmos todos é possível mudar alguma coisa e que nos permite sonhar", diz Paulo Carneiro. "E não é só sobre a luta contra as minas, é a nossa luta de todos os dias, em que quase só somos números. Para sair dessa ideia de números a única forma possível é trabalhar em comunidade, conhecer o nosso vizinho", acrescentou o realizador.
Filme corre mundo, do Perú à China e dos EUA ao Irão
Depois da estreia na Quinzena dos Cineastas, em Cannes, França, em 2024, "A Savana e a Montanha" tem sido exibido em vários países de diversos continentes. Já estreou no Uruguai, em França, agora Portugal, depois Argentina, Suíça, Espanha. Em antestreia passou também por vários países, como Peru e EUA, Nepal e Índia, Irão e Jordânia e China. “O filme tem uma universalidade que não cabe só na luta destas pessoas em Portugal”, diz Paulo Carneiro, que não esquece a exibição numa aldeia francesa da Normandia que luta contra um projeto da Total Energies. "Foi muito bonito. No final, não foi a questão do lítio, nem o projeto deles, que marcou a conversa, mas o verem que isto é exemplo de que devem estar juntos", recorda o realizador.
Catarina, nascida em Covas do Barroso, viu o filme em Londres. No grande ecrã, reviu caras e vozes que lhe são familiares a cada regresso à terra e, à distância, tenta ajudar na luta para preservar a aldeia onde nasceu, incluída numa zona Património Agrícola Mundial. “É uma luta de David contra Golias”, desabafa, lembrando o impacto do filme nas pessoas que assistiram a uma antestreia na capital britânica.
Um eco junto para lá de Covas que Paulo Carneiro quer ver para lá do movimento de terras. “O filme apela à comunidade, ao não ficarmos sozinhos, fazermos parte de um grupo para lutar. É muito claro ao trazer esta vontade de prosperar, que só resulta se nos unirmos", diz. Com argumento de Paulo Carneiro e Alex Piperno, “A Savana e a Montanha” é uma coprodução portuguesa e uruguaia, que além do realizador conta com Miguel de Jesus/Bam Bam Cinema e Alex Piperno/La Pobladora Cine. Com fotografia de Duarte Domingos, o filme foi rodado apenas com as pessoas de Covas do Barroso. “Têm orgulho, sentem que aquilo as representa e tem levado a luta mais longe e tem tido eco. Não só pelo tema também pelo cinema”, diz o realizador.
“Estas pessoas estão a toda a hora a ser intimidadas"
Com a estreia comercial, Paulo Carneiro espera que o filme renove o espírito das pessoas de Covas do Barroso, cuja situação vem piorando nos últimos meses, desde que um despacho governamental, sem conhecimento da ministra do Ambiente, autorizou a Savannah a entrar em terrenos do baldio e de privados que desde 2018 estão contra a mina. Nos últimos dias, os problemas agudizaram-se, coma população a acusar a GNR de parcialidade e de compactuar com abusos da empresa, que acusam de entrar, protegidos pela Guarda, em terrenos para os quais não estão autorizados, seja de privados ou da Junta de Freguesia.
“Parece uma coisa de crianças, isto de andar às escondidas a entrar nos terrenos das pessoas”, comenta Paulo Carneiro, que se tem mantido atento ao que se passa em Covas do Barroso. “Há um medo constante, as autoridades estão sempre no terreno, os trabalhadores da empresa andam pelas ruas durante a noute. Parece que estamos a voltar ao Estado Novo”, lastima.
“Estas pessoas estão a toda a hora a ser intimidadas por esta presença. Isto transtorna a população”, diz Paulo Carneiro, esperançado que o filme venha ajudar “a dar mais força” com a chegada a salas de cinema de vários pontos do país. “Acho que os inspira, os levanta ainda mais para dizer que não vão ceder”, diz o realizador, que tem raízes no Barroso, em Bostofrio, a terra natal do pai, que migrou para Lisboa.
Paulo Carneiro não define um objetivo em termos de salas ou espectadores, embora sublinhe que é importante “entrar cada vez em mais territórios”, estrangeiros ou locais. “Quando se vai ver o filme, também se está a financiar a luta”, diz.
Algo de novo no cinema português
A película é importante, na perspetiva do realizador, para lá da luta para manter aquela zona Património Agrícola Mundial. “Era importante para mim que o público olhasse para o filme com orgulho por ser um filme português que é feito com pessoas de uma comunidade a lutar por uma coisa e que só funciona porque estão com esta ideia de comunidade, de grupo”, diz Paulo Carneiro. “O cinema é uma experiência coletiva, serve também para desenvolver o nosso espírito crítico”, argumenta.
Com músicas de Carlos Libo, agricultor e criador de cavalos de Covas do Barroso, e Diego Placeres, e som de Ricardo Leal, Daniel Yafalián, o filme, de 77 minutos, é também o resultado de uma busca por novos caminhos para o cinema português. “Tem quase uma criação de género, um western musical, encontramos uma outra coisa. Estamos à procura de outras coisas, para que existam é preciso mostrar ao público”, diz o realizador que espera contribuir com esta película para “mudar a mentalidade, o preconceito constante e permanente contra aquilo que é português.”
Paulo Carneiro terminou entretanto um novo filme, um projeto antigo que iria ser a segunda longa metragem, depois da estreia com “Bostofrio, Où le Ciel Rejoint la Terre”, em 2018, o ano em que começou a luta de Covas, que se lhe atravessaria no caminho, e de Via Norte, em 2022. “Inha Terra, Inha Força”, rodado em Cabo Verde, e falado em crioulo, português e francês, “também fala desta questão de lutar por um território”, diz, aventando já a possibilidade de fazer um outro filme em Covas do Barroso, com uma abordagem diferente.
CINEMAS & HORÁRIOS DA 1ª SEMANA EXIBIÇÃO
Braga
Cineplace Nova Arcada
Coimbra
Casa do Cinema de Coimbra: diariamente: 24-04 às 21h30; 25-04 às 18h45; 26-04 às 21h30; 27-04 às 16h30,28-04 às 16h30 e às 21h30**,29-04 às 14h30;30-04 às 21h | ** sessão com legs em EN
Cinemas NOS Alma Shopping: diariamente às 13h45 e 16h05
Grande Porto
Cinema Trindade: diariamente 14h30 e 18 horas (excepto 26-04, às 19h30)
Cinemas NOS Alameda Shop e Spot: diariamente às 13h e 15h30
Cinemas NOS Parque Nascente: diariamente às 19h20
Leiria
Cineplace Leiria
Lisboa
Cinema City Alvalade: diariamente às 13h30 e 19h35
Cinema Ideal: diariamente 21h15*; 26-04 e 30-04 também às 17h00
(* excepto 26-04)
Cinemas NOS Alvaláxia: diariamente às 13h10 e 15h20
Sala de Cinema Fernando Lopes: sessões únicas: 25-04 às 19h; 27-04 às 19h30
Cinema Medeia Nimas: sessão única: 28-04 às 19h
Vila Real
Cinemas NOS Nosso Shopping: diariamente às 13h20