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O Governo comete um erro enorme ao fazer alterações às leis da imigração que chocam com a relação histórica e com os laços afetivos, culturais e políticos que Portugal tem com os países da CPLP, ainda por cima com o propósito claro de roubar espaço e agenda a perceções distorcidas que foram criadas pela extrema-direita.
A CPLP é uma construção pós-colonial que tem dado um importante contributo para ultrapassar os traumas do passado e que exige muito empenho no aprofundamento das relações de cooperação em todas as suas dimensões, política, económica, cultural e diplomática, que, por várias razões, são complexas e exigem, por isso mesmo, um esforço diplomático redobrado.A verdade é que a cooperação entre os vários países da CPLP é frágil, desigual e instável e, portanto, não precisa de perturbações acrescidas decorrentes de uma agenda que, de maneira obsessiva, a extrema-direita tenta impor, recorrendo à manipulação e distorção sistemáticas sobre a realidade e os factos da imigração e à propagação do ódio a estrangeiros, incluindo os de países de língua portuguesa.
A CPLP é um espaço de convergência cultural, política e linguística, que se foi expandindo e consolidando e mostrando a sua relevância em domínios como o da língua. Quando a língua portuguesa é a quinta mais falada no Mundo, não é por causa dos dez milhões de portugueses, mas pelos 285 milhões de brasileiros, angolanos e moçambicanos.
Além disso, é fundamental salvaguardar o espírito do acordo de mobilidade assinado em 2023, que constitui um elemento fundamental para o reforço da cidadania no espaço lusófono e para o aprofundamento e coesão da CPLP enquanto organização multilateral de características únicas, dotada de uma importante componente de concertação político-diplomática.
O relacionamento com os países irmãos da CPLP não pode ser, por isso, como a de qualquer outro país extracomunitário e tem toda a justificação que tenha um tratamento privilegiado em virtude do nosso relacionamento histórico de cinco séculos.
Alguns países da CPLP já fizeram sentir o seu desconforto perante as alterações à lei da imigração e houve até quem lembrasse, como o presidente da República de Cabo Verde, José Maria Neves, que Portugal não se pode esquecer que também tem emigração, ou o Brasil, pela voz do seu ministro da Justiça, que disse que o seu país retribuirá com a mesma moeda ao que for feito em Portugal.