Um militar do Exército Português filmou-se a violar uma jovem durante hora e meia. Depois, partilhou os vários vídeos do crime num grupo privado do WhatsApp, onde estavam seis colegas da tropa, e com um amigo de infância.
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Três juízas do Tribunal da Relação de Coimbra condenaram agora o arguido, com 27 anos e origem no distrito da Guarda, a uma pena de sete anos de prisão, menos seis meses do que o decidido, em 2024, em primeira instância, segundo um acórdão a que o JN teve acesso.
A 11 de março de 2022, após o jantar, o 1.º cabo do Exército Jorge L. enviou, através da rede social Instagram, várias mensagens à vítima, então com 25 anos e que conhecera quatro meses antes quando ambos trabalhavam numa exploração agrícola, pedindo-lhe para ir a sua casa. Queria receber um abraço, disse. A mulher disse que não, mas, face à insistência, acabou por ceder.
Quando o praça do Exército chegou, a vítima abriu-lhe a porta, e aquele dirigiu-se de imediato ao quarto da mulher, agarrando-a pelo pescoço. “Se não fizeres o que eu quero, mato-te e violo-te depois de morta”, ameaçou. A vítima tentou libertar-se, sem sucesso.
O militar atirou-a para cima da cama e despiu-a. Também se despiu e pôs um preservativo, antes de a forçar a sexo vaginal. Face à violência com que praticava o ato, a mulher sofreu uma hemorragia. Quando deu conta do sangramento, o agressor foi limpar-se à casa de banho, mas, ao regressar, já sem preservativo, retomou a agressão. Apercebendo-se de que a hemorragia não parava, voltou a limpar-se e a forçar a vítima, desta vez a sexo oral, enquanto fumava um cigarro, e depois a sexo anal, até ejacular. Enquanto isso, ia filmando a vítima, subjugada, com o telemóvel. No fim, limpou-se e foi embora.
A mulher foi para o hospital, enquanto o militar decidiu partilhar as gravações com os colegas do Exército e um amigo de infância.
Julgado no Tribunal da Guarda, o arguido começou por ser condenado, em cúmulo jurídico, a sete anos e meio por violação (seis anos e meio) e devassa da vida privada através da internet (dois anos e meio). Por considerar a pena "excessiva", recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra, que agora lhe retirou seis meses à pena, mas manteve a indemnização de 15 mil euros à vítima, que vai ter de pagar pelos danos causados.
A redução da pena dá-se por conta do crime de devassa da vida privada. As juízas Alexandra Guiné (relatora), Sara Reis Marques e Sandra Ferreira sustentam que a lei n.°26/2023, de 30 de maio, reforçou a proteção das vítimas de disseminação não consensual de conteúdos íntimos, agravando a respetiva pena, mas não podia ser aplicada retroativamente, como fez o Tribunal da Guarda, a este caso, de 2022.
Quanto ao crime de violação, “o dolo direto, intenso e persistente, e as motivações do arguido elevam a culpa" e justificam a pena aplicada na Guarda, concluem as juízas de Coimbra, invocando “fortes necessidades” de prevenção geral e especial.
Já sobre a compensação de 15 mil euros, que o agressor contestava por ser "excessiva", as juízas consideraram-na "ajustada", lembrando que a jurisprudência tem-se afastado "decisivamente de indemnizações simbólicas."
Alegou que atos sexuais foram consensuais
No julgamento, Jorge L. assumiu que teve relações sexuais com a vítima na noite de 11 para 12 de março, por quem disse que estava apaixonado, mas alegou que foram consensuais. Negou a coerção e a violência, dizendo que a vítima poderia ter recusado, fugido ou gritado. Admitiu que filmou, sem consentimento, os atos sexuais com a vítima, alegando que o fez por exibicionismo, para mostrar a colegas do Exército e a um amigo de infância. Chegou a pedir-lhe, durante o ato sexual, para dizer “CCS” que era a sigla da sua companhia.
Processo disciplinar
Contactado pelo JN, o porta-voz do Exército, Hélder Parcelas, informou que o militar em questão "possui, à data, um vínculo contratual sob a forma de regime de contrato". "Encontra-se em curso um processo disciplinar", acrescentou. No acórdão é referido que o arguido pretendia candidatar-se aos quadros permanentes.
Adolescência marcada por consumos
Jorge L. teve um período da sua vida ligado a consumos de produtos estupefacientes (haxixe e cocaína), iniciado na adolescência, que manteve alguns anos, tendo deixado de consumir, de forma definitiva e por sua iniciativa, após ingressar na carreira militar. A sua primeira experiência sexual, segundo o mesmo, foi com recurso à prestação de serviços sexuais pagos, tendo por hábito, por vezes, ver filmes pornográficos.
Perdeu telemóvel
O telemóvel apreendido ao arguido e que havia sido utilizado para filmar, gravar e partilhar o ato sexual foi declarado perdido a favor do Estado. "Trata-se de objeto que serviu para a prática de crime e que, pela sua natureza e circunstâncias do caso, põe em risco a segurança das pessoas (desde logo da vítima) e a moral públicas", justificaram as juízas.
Vítima internada
Devido aos danos físicos infligidos, a vítima teve de ser submetida a uma cirurgia, com anestesia geral, nomeadamente para estancar a hemorragia, e ficou três dias internada. As lesões causadas pelo arguido à vítima foram causa direta e necessária de 30 dias de doença, com 15 dias de afetação da capacidade para o trabalho geral e profissional.