A mesoeconomia dos territórios-rede (I): Os territórios-rede
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Iniciamos hoje uma série de três artigos sob o título genérico A mesoeconomia dos territórios-rede. O primeiro artigo intitula-se os territórios-rede, o segundo o agente principal, o ator-rede e o terceiro economia do risco e criatividade das redes.
Entre o excesso de centralismo e o excesso de localismo é preciso encontrar um meio termo, um middle level concept, uma mesoeconomia, capaz de aplicar no terreno concreto todas as vantagens da economia das plataformas colaborativas e da inteligência coletiva territorial. Na retórica oficial já existem alguns destes middle level concept, por exemplo, no programa de transformação da paisagem, todavia, funcionam mais como anúncios programáticos do que como verdadeiros instrumentos de realização efetiva da mesoeconomia.
Nesta linha de pensamento, os territórios-rede e o seu agente principal, o ator-rede, são uma forma de lutar contra a exclusão de grupos de pessoas e grupos de territórios, contra a não-existência, os silêncios e a invisibilidade de grupos e territórios, uma espécie de submundo de pessoas, grupos e territórios descartáveis. Hoje, somos cada vez mais precários, descartáveis, a relação social pulverizou-se, a construção social de territórios-rede inclusivos tornou-se um imperativo ético, político, social e económico e, já agora, também científico, porque as ciências sociais não parecem estar á altura de uma tal tragédia anunciada. Estão à vista os limites de estratégias não-reflexivas e não-inclusivas de pessoas e grupos não inseridos em redes.
A transição digital em curso permite-nos operar plataformas colaborativas, formar comunidades inteligentes e obter um conhecimento mais descentralizado e distribuído. É uma excelente oportunidade para conceber e montar economias de rede e aglomeração e organizar uma mesoeconomia mais perto das comunidades locais e regionais e mais condizente com as necessidades reais das áreas de baixa densidade.
Os territórios-rede são uma intuição prometedora, mas talvez os possamos definir como unidades operativas de gestão territorial de nível intermédio. Apesar de vários exercícios de programação e gestão de fundos europeus o país tem ainda várias parcelas do seu território em estado de necessidade, que mais parecem territórios em reclusão. Refiro-me a municípios inteiros sem atividade económica digna desse nome, com uma população muito envelhecida e, sobretudo, sem um horizonte de esperança no futuro próximo ou longínquo. Vamos para mais um exercício de programação dos fundos estruturais europeus e, apesar das recorrentes políticas de coesão territorial, fica a pairar sobre o país a nuvem negra das políticas de ajustamento. Com efeito, de cada vez que há um período de ajustamento, por razões de défice ou de dívida pública, assistimos a uma desvalorização dos ativos do território e a uma forte depreciação dos investimentos entretanto realizados. Este será o nosso principal problema, agora e no futuro, ou seja, a destruição de tecido produtivo sempre que haja um período de ajustamento. Com efeito, não haverá política de desenvolvimento territorial que resista ao stop-and-go da política de ajustamento macroeconómico. Estou, sobretudo, a pensar nesse mar imenso que é o grande país do interior, nesses concelhos-lar do rural remoto que crescem todos os dias à míngua de esperança e gente empreendedora.
Trata-se, agora, de preparar a inteligência territorial da 2ª ruralidade em direção ao que designo como os territórios-rede da 2ª ruralidade. Apresento a seguir uma série de exemplos, que são outras tantas configurações sociais de territórios-rede e uma espécie de produto potencial de uma região, que podem e devem servir para formar, a pouco-e-pouco, uma grelha de leitura crítica relativamente a uma estratégia necessária de desenvolvimento territorial. Necessitamos, para isso, de um grande esforço de ordenamento, programação, planeamento e realização territoriais, agora que se fala tanto de Comunidades Intermunicipais (CIM), e de pôr em prática uma filosofia geral dos contratos de desenvolvimento para territórios-rede em construção, sendo certo que o desenvolvimento territorial estará sempre condicionado pela qualidade da política regional que for prosseguida e, ainda mais, pela qualidade superior da política macroeconómica prosseguida no quadro europeu. Eis alguns exemplos de futuros territórios-rede das nossas cidades-região do interior:
1) As rede de cidades e vilas, em articulação com clubes de produtores e de consumidores, uma associação de desenvolvimento local e uma escola superior agrária, por exemplo, propõem-se desenhar um sistema agroalimentar de base local (SAL), a partir da agricultura periurbana e através de uma rede de circuitos curtos tendo em vista organizar o comércio local de produtos alimentares de proximidade; ao mesmo tempo, a parceria aproveita para requalificar o sistema de espaços e corredores verdes, utilizando, por exemplo, as hortas sociais, as linhas de água e os bosquetes multifuncionais, tendo em vista articular as áreas urbanas, as áreas rurais e as áreas naturais;
2) Uma área de paisagem protegida, por exemplo, um parque natural, conjuntamente com o clube de produtores do parque ou a associação ambientalista do parque, mais o conjunto das aldeias que integram o parque, a associação de desenvolvimento local da região e a escola politécnica ou universidade mais próxima, propõem-se modernizar o sistema produtivo local (SPL) do parque, criando, para o efeito, uma agroecologia específica, uma indicação geográfica de proveniência (IGP) e uma nova estratégia de visitação do parque por via de um marketing territorial mais ousado e imaginativo; passamos, assim, do sistema de produtos locais para os produtos do sistema produtivo local;
3) Um grupo de aldeias ribeirinhas, na área de influência de um lago, de uma albufeira, de uma barragem ou bacia hidrográfica, os operadores turísticos locais, as associações e/ou clubes de produtores agroflorestais, as administrações de recursos hídricos, uma escola superior, propõem-se lançar uma estratégia criativa e integrada de agroturismo e turismo rural com base nas práticas agro rurais tradicionais e suas propriedades terapêuticas e recreativas;
4) Um condomínio de aldeias com vocação especializada num determinado sector ou produto, as aldeias vinhateiras do Alto Douro, por exemplo, património mundial da Humanidade, associa-se com os empreendimentos turísticos, as associações ou clubes de produtores, uma escola superior, as associações culturais mais representativas, tendo em vista desenhar uma estratégia conjunta de visitação e valorização do património material e imaterial dessa sub-região;
5) Um grupo de cooperativas agrícolas, organizações e associações de agricultores, uma empresa de distribuição alimentar ou rede de supermercados, a associação de municípios da mesma área, uma escola superior agrária ou universidade, associam-se tendo em vista desenhar uma estratégia conjunta de modernização agroecológica e comercial para uma sub-região que foi objeto de importantes investimentos públicos, por exemplo, a modernização de um perímetro de rega;
6) Uma ou mais Zonas de Intervenção Florestal (ZIF), as associações ou clubes de produtores florestais, as reservas cinegéticas, as áreas de paisagem protegida e as zonas de proteção especial, as empresas agroflorestais, uma escola superior, as comunidades humanas envolvidas, associam-se para constituir um sistema agroflorestal (SAF) ou agro-silvo-pastoril tendo em vista criar uma estratégia de intervenção integrada que vai desde a prevenção e recuperação de áreas ardidas à construção dos sistemas agro-silvo-pastoris com o seu cabaz completo de produtos da floresta;
7) Um centro de investigação na área da biodiversidade, da ecologia funcional e reabilitação de ecossistemas, um parque ou reserva natural, uma associação agroflorestal, empresas de turismo em espaço rural, empresas na área do termalismo, propõem-se criar um programa de investigação-ação de restauração de serviços de ecossistema tendo em vista a preservação da biodiversidade e dos endemismos locais, a melhoria da oferta desses serviços e a valorização comercial destes ativos territoriais por via do lançamento de serviços turísticos, culturais e científicos;
8) Um agrupamento de associações de desenvolvimento local em associação com uma universidade ou escola politécnica, uma escola profissional agrícola, um parque ou reserva natural e um conjunto de aldeias serranas, os operadores de turismo de natureza e de aldeia, propõem-se criar um condomínio de aldeias tendo em vista o lançamento de um programa de desenvolvimento comunitário de aldeias serranas;
9) Um grupo empresarial da área do termalismo e das águas minerais, uma área de paisagem protegida, uma associação ambientalista ou de desenvolvimento local, uma escola superior politécnica, a cooperativa ou associação local de produtores, as aldeias e vilas da área de influência do projeto, propõem-se criar uma espécie de santuário, amenidade ou ecossistema exemplar que seja um local de aprendizagem e visitação de boas práticas agroecológicas onde se pode observar e aprender a diversidade de agriculturas como arte, técnica e estética da paisagem rural, a ecologia da paisagem e a reabilitação de habitats, a economia da conservação, do baixo carbono e da energia renovável, a arquitetura funcional associada à bioconstrução e à bioclimatização;
10) Um projeto associativo, comunitário e/ou de voluntariado, de itinerância sociocomunitária que junte, por exemplo, os sindicatos, as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) e uma associação ou grupo de desempregados de longa duração que tenha sido constituído para o efeito no âmbito de cada centro de emprego; este projeto associativo pode gerir hortas sociais, espaços baldios, um bairro social, um parque periurbano, etc.
Nota Final
Desta desordem tipológica que forma a mesoeconomia de uma região ou comunidade intermunicipal queríamos retirar, apenas, um ensinamento de ordem geral, a saber, em todos os casos, a construção social de um território-rede faz apelo a três ordens de arranjos. Em primeiro lugar, um arranjo convencional entre parceiros que desejam empreender um território-rede, em segundo lugar, um arranjo institucional acerca de processos e procedimentos necessários sob a forma, por exemplo, de um ator-rede, finalmente, um arranjo produtivo local sob a forma de um sistema produtivo local (SPL), de um sistema alimentar local (SAL) ou de outros arranjos inovadores. Neste último caso, a discussão sobre a produção dos bens com indicação geográfica, denominação de origem e outras certificações é um excelente pretexto para motivar e mobilizar os associados, a academia, assim como para arranjar patrocinadores e embaixadores acreditados dos signos distintivos territoriais, os seus produtos e serviços de mérito locais e regionais.