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Quinze dias após as eleições que, deixando quase tudo igual formalmente, mudam a materialidade do equilíbrio e o jogo de forças da política e até do próprio sistema democrático, os dilemas não se centram nas soluções que identifiquem as causas para o crescimento do populismo da extrema-direita e trabalhem numa frente comum que permita fazer um “back-up” à democracia. Na realidade, o “fact check” deu lugar ao “double check”: o sistema não se questiona a si mesmo, apenas encontra a melhor forma de romantizar a extrema-direita, à boleia do segundo lugar do pódio que lhe entregaram para subir. O que importa, agora e para muitos, é perceber como se pode trazer o Chega para um patamar de responsabilidade e de pactos de governação, influência q.b. nas decisões e políticas públicas, questionar a Constituição, normalizando aquilo que até há bem pouco tempo era considerado como impensável, inultrapassável ou proscrito. Neste momento, vive-se na senda da cooptação da outrora besta. Só porque, ainda mais perigosa, aumentou de tamanho.
A manipulação da opinião pública em plena campanha eleitoral aconteceu, perante os olhos de todos, sem denúncia ou incomodidade. As televisões estavam interessadas, como aconteceu sem pudor, em entrevistar André Ventura duas vezes mais do que Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos juntos. Esta legislatura, na comparação com o líder do PSD que tinha quase o triplo dos votos e seis vezes mais deputados, as televisões privadas deram mais do dobro das entrevistas a Ventura, olhando para o seu umbigo e para as audiências. O estudo que demonstra que são falsos 58% dos perfis e contas que existem e interagem em nome e defesa do Chega na rede X contra, sobretudo, PS e PSD. Um fenómeno que exige investigação e ponderação. São milhares. O grau de investimento na mentira, no ódio e na desinformação pode mesmo vir a ganhar eleições.
Eleições em sucessão. A provável vitória do agora candidato Gouveia e Melo na primeira volta das presidenciais, ocupando o espaço político do centro-direita, mas também colhendo à Esquerda, retira protagonismo à eleição presidencial e afasta Ventura de uma candidatura que nada o beneficiará, apostado em ser poder no caso de falência do sistema, pelo desgaste e outras implicações judiciais de Montenegro e na incerteza sobre a nova liderança do PS. Em caso de segunda volta, a Esquerda será convocada para engolir mais um sapo, desta vez sem a mínima certeza sobre o seu eleitorado.