Primeiro filme português a ser exibido no Festival de Cannes, numa sessão a meio da tarde de sábado, “A Savana e a Montanha”, de Paulo Carneiro, foca-se na luta dos habitantes da aldeia de Covas do Barroso contra a exploração de lítio, e na defesa do seu território e do seu modo de vida.
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À saída da sessão, o realizador falou ao JN. “É ainda difícil dizer qual foi a reação”, começou por nos dizer. “Parece-me que foi boa, mas do ponto de vista de um realizador é sempre complicado, já estamos com este filme há três anos. Mas estamos muito contentes de estar aqui, a imprensa internacional já começou a escrever as primeiras coisas. É muito importante, para amplificar a luta. Acho que as pessoas gostaram bastante do filme, pelos aplausos no final do filme. Estou bastante expectante em relação à projeção de amanhã (hoje), que é fora de Cannes e para um público não especializado.”
A revista IndieWire começa o seu artigo sobre o filme com o título “Documentário brechtiano ilumina as nuances feias do ambientalismo”. No seu artigo, o crítico Christian Zilko escreve: “Savana e a Montanha existe algures no espetro entre Bertolt Brecht e Abbas Kiarostami, capturando as reuniões e protestos dos moradores de uma maneira que parece realista, mas na verdade é uma recriação de eventos anteriores (embora a luta real sobre a mina de lítio continue em andamento). As vinhetas angustiadas são intercaladas com canções de protesto que poderiam ter sido retiradas de A Ópera dos Três Vinténs e imagens granuladas da natureza que mostram a região como um oásis natural de cowboys que permaneceu intocado pela modernidade.”
Na edição diária de Cannes da Screen International, uma das revistas especializadas de cinema mais importantes do mundo, o artigo sobre o filme de Paulo Carneiro é assinado por Jonathan Holland. “Se a primeira metade do filme parece muitas vezes um cinema lento, com paisagens deslumbrantes e sequências de habitantes locais, muitas vezes idosos, a tratar dos seus assuntos, a segunda metade é relativamente cheia de ação”, começa por escrever. “Rapidamente nos apercebemos de que não estamos a ver um simples documentário sobre o protesto dos aldeões, mas que o filme está a ser encenado pelo realizador e é, ele próprio, uma parte desse protesto, com os aldeões como actores”
E continua: “À medida que a comunidade se vai habituando à tarefa, os aldeões tornam-se mais criativos, caminhando pelas ruas ao lado de uma carruagem com 'A Máfia do Lítio' pintada de lado - na qual um trabalhador da empresa é desajeitadamente enfiado. A banda sonora de Diego Placeres junta-se a canções de protesto ao estilo dos anos 60, interpretadas pelo cantor e compositor local Carlos Libo, enquanto os créditos são retirados diretamente de O Bom, o Mau e o Vilão. Durante algum tempo, os protestos dos habitantes locais ajudam a suspender o desenvolvimento do projeto de lítio, mas que, talvez inevitavelmente, não tarda a regressar.”
A competição de Cannes continuou entretanto com os novos filmes de Jacques Audiard e Jia Zhang-ke. O francês, já vencedor de uma Palma de Ouro com “Dheepan”, filma agora no México, o que pode ser considerado como uma sofisticada telebovela mexicana ao ritmo de um musical. Selena Gomez interpreta o papel da protagonista, uma jovem advogada que recebe uma oferta que não pode recusar, ajudar um dos mais poderosos chefes dos cartéis da droga a desaparecer para sempre, transformando-se na mulher que sempre desejou ser. Jacques Audiard filma bem como sempre, mas esta sua viagem ao México parece um pouco superficial e uma perda de tempo com tantas histórias para contar no seu país. Mas o México tem semrpe esta aura romântica para os europeus e os seus cineastas.
Já o chinês Jia Zhang-ke, um veterano de Cannes ainda à espera dessa glória maior que é a conquista da tão desejada Palma de Ouro,autor de títulos de culto como “Still Life – Natureza Morta”, “China – Um Toque de Pecado”, “Se as Montanhas se Afastam” ou “As Cinzas Brancas Mais Puras”, trouxe ao festival uma obra mais minimalista, “Caught By the Tides”. Interpretado como sempre pela sua atriz fétiche e esposa na vida real, Zhao Tao, uma viagem no tempo entre a China do ano 2000 e a dos dias de hoje, filmado de uma forma lânguida e ao som de canções populares. Um belo registo de um autor singular, que confere sempre um tom de originalidade aos seus trabalhos.