O governador da Califórnia, Gavin Newsom, acusou esta quarta-feira o presidente norte-americano, Donald Trump, de “descarado abuso de poder” pelo envio de 4000 membros da Guarda Nacional e 700 fuzileiros para as ruas de Los Angeles.
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“Atiçou ainda mais as chamas e fê-lo de propósito”, afirmou o governador, referindo-se a Trump, numa comunicação ao vivo transmitida ao final de cinco dias de protestos e confrontos devido às rusgas de imigração que estão a decorrer no condado.
“Não queremos as nossas ruas militarizadas pelo nosso próprio exército. Não em Los Angeles, na Califórnia ou noutro lado qualquer”, sublinhou Gavin Newsom.
O democrata criticou a mobilização de militares treinados para o combate no estrangeiro contra a vontade das autoridades estaduais e disse que Trump não está a proteger as comunidades, mas sim a traumatizá-las.
“Estamos a ver carros à paisana em parques de estacionamento de escolas”, apontou, referindo que a agência ICE (Immigration and Customs Enforcement, serviço de alfândega e fronteiras) não está a ir atrás de criminosos mas sim de alunos, jardineiros e costureiras.
“Se alguns de nós podem ser levados do meio da rua sem mandado de captura, com base apenas em suspeitas ou cor da pele, então nenhum de nós está em segurança”, declarou Gavin Newsom.
O governador urgiu os californianos a protestarem de forma pacífica e referiu que os grupos isolados de infratores que estão a vandalizar e saquear lojas serão castigados.
A violência das últimas noites levou a “maior” democrata Karen Bass a impor um recolher obrigatório entre as 20 horas e as 6 horas locais em alguns quarteirões da baixa de Los Angeles.
Newsom revelou que foram detidas 220 pessoas ligadas a estes incidentes, sublinhando, cujo perímetro disse não ir além de “meia dúzia de ruas”.
Mas "Trump não se opõe à violência e infração da lei desde que sirva os seus interesses", disse ainda o governador democrata, citando o ataque ao Capitólio a 6 de janeiro de 2021.
Isto “não é apenas” sobre os protestos em Los Angeles, disse ainda Newson, avisando que Trump irá abusar da autoridade também noutros estados, por ser “um presidente que não quer ser limitado” por leis ou pela Constituição.
“A Califórnia pode ser a primeira, mas não vai acabar por aqui”, declarou Gavin Newsom. “A democracia está sob assalto diante dos nossos olhos. O momento que temíamos chegou”, afirmou.
Manifestantes prometem continuar nas ruas
“Já ficou bem claro que, enquanto houver rusgas do ICE [serviço de estrangeiros e fronteiras dos EUA, na sigla pela qual é mais conhecido] a acontecer, os protestos vão continuar”, disse à Lusa Tommy Marcus, que tem participado nas manifestações desde sexta-feira.
“A forma como isto está a ser feito é inconstitucional”, acusou o ativista. “Eles têm agentes à paisana, sem distintivos, a fazer isto da forma mais antiética. É repugnante”.
A agência ICE lançou múltiplas operações desde sexta-feira em locais onde muitos imigrantes trabalham, incluindo o Distrito da Moda na baixa de Los Angeles e várias localizações das lojas Home Depot, onde imigrantes procuram biscates diários.
Houve também relatos de agentes a tentar entrar em escolas, o que levou o superintendente do distrito, o português Alberto Carvalho, a tomar medidas para impedir que as cerimónias de encerramento do ano escolar fossem interrompidas.
Cerca de 300 imigrantes foram detidos nos últimos dias em resultado das operações, segundo revelou a agência ICE, e a administração prometeu continuar as rusgas apesar dos protestos.
A chegada da Guarda Nacional e dos Fuzileiros, ordenada por Trump, tem feito escalar as tensões com os manifestantes. Esta terça-feira, usaram gás lacrimogéneo para dispersar os manifestantes que protestavam à porta de um centro de detenção enquanto cantavam “É isto que é a democracia!
Marcus, que tem transmitido os acontecimentos em direto para a sua conta de Instagram (onde acumula mais de um milhão de seguidores) considera que a presença dos militares está a acicatar o problema e não a resolvê-lo.
“É incrivelmente desproporcional”, apontou, indicando que a única altura em que sentiu que tinha de se afastar foi quando a polícia começou a disparar balas de borracha, porque não tinha qualquer proteção para os olhos.
“Ver isto dos Fuzileiros é alucinante para mim, como alguém que já esteve em situações muito mais fora do controlo”, continuou, referenciando os protestos maciços contra a morte de George Floyd, em 2020.
“Parece-me que os agentes e o governo estão a tentar instigar e tornar a situação pior, porque é bom se puderem dizer que os democratas estão a amotinar-se e a queimar tudo”, opinou. “Parece uma campanha de relações públicas a favor do ICE”.
O governador Gavin Newsom também rejeitou a necessidade de militares e entrou com uma providência cautelar junto de um tribunal federal em São Francisco, pedindo que suspenda a mobilização da Guarda Nacional e dos Fuzileiros. O tribunal recusou a suspensão de emergência, mas marcou uma audiência para quinta-feira, na qual ouvirá os argumentos dos dois lados.
De acordo com o Pentágono, o envio de militares para Los Angeles terá um custo aproximado de 134 milhões de dólares durante 60 dias.
O impacto mediático dos protestos está ainda a ter um efeito de contágio, com pelo menos 25 outros locais, de Boston a Nova Iorque, onde grupos se manifestaram contra o ICE.
O próximo sábado, 14 de junho, será um teste importante devido aos eventos planeados sob o mote “No Kings” a nível nacional, incluindo quase duas dezenas no condado de Los Angeles.