Quando o poder político se liga às potencialidades do digital
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Fez ontem 20 anos que a França votou em referendo o Tratado Constitucional Europeu e disse não a esse processo. Tais resultados tiveram um tremendo impacto na União Europeia, levando à suspensão do processo de ratificação do documento. Paralelamente, emergia outra novidade: o debate político mudava de lugar, passava dos média tradicionais para a blogosfera. Era o início de uma grande revolução na comunicação política.
Em maio de 2005, o poder político instituído e os média tradicionais franceses não tinham dúvidas sobre o referendo: o sim ao tratado estaria garantido. Todavia, muitos não pensavam assim. Eram todos aqueles que tinham opinião, mas não dispunham de meios para a difundir. Ainda longe das redes sociais e nem sequer imaginando as lógicas dos algoritmos, esses cidadãos investiram na blogosfera que se tornava, na altura, uma plataforma de resistência e um espaço de explicação para aquilo que as elites políticas e os grandes meios de Comunicação Social noticiavam. Progressivamente, e longe dos domínios das estruturas dominantes, o “não” ao Tratado ia fazendo caminho por entre os subúrbios da comunicação política, mas ganhando aos poucos a força de um musculado grito de protesto que haveria de se fazer ouvir em toda a sua amplitude no dia da votação. Pela primeira vez, o poder não saía às ruas, mas fortalecia-se em ligações em rede cada vez mais robustas.
Na edição de ontem, a revista “Le Nouvel OBS” conta que, numa reunião no Eliseu, a conselheira do presidente da República terá dito isto: “a web terá o seu lugar nestas eleições, mas à sua medida, ou seja, modesta”. O quanto se enganava! Nas margens digitais, os blogues lá iam publicando análises bem documentadas, em linguagem acessível. E tiveram sucesso. Era o início de uma colossal mudança na comunicação política que, entretanto, escalou pelas redes sociais a nível global.
Passados 20 anos, muitos atores políticos ainda não se adaptaram a esta realidade. Outros perceberam bem as potencialidades da comunicação digital, instalando nela um amplo palco político em cima do qual se permitem dizer tudo. Olhando para trás, podemos dizer que a blogosfera foi apenas um prelúdio de uma grande mudança.
Hoje, estar nas redes sociais exige várias competências: não basta publicar conteúdos, é preciso prender a atenção; não basta fazer entrar publicações nos caudais informativos, é preciso torná-las virais. Porque há que agendar temas, moldar debates, reforçar identidades, criar marcas. Agora não são os textos longos da blogosfera que constituem traços distintivos da comunicação com impacto, são antes os vídeos curtos, as frases incisivas e as emoções partilhadas por muitos. É aí que se ganham votos. E isso é cada vez mais perigoso.