Rui Tavares: "Pedro Nuno Santos não foi primeiro-ministro há um ano porque não quis"
O Livre quer fazer parte de um Governo de Esquerda se esta reunir mais votos do que AD e IL. Rui Tavares diz que Pedro Nuno Santos poderia ter sido primeiro-ministro há um ano, mas “não quis”. E considera que o problema é o PS ser incapaz de crescer ao centro.
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Para as próximas legislativas, onde espera duplicar a bancada para oito deputados, defende um “acordo de governação escrito”, idealmente antes de 18 de maio. Porque “o parlamentarismo não é como o futebol”, quem lidera a tabela não tem forçosamente de governar. Agora, vê em Marcelo Rebelo de Sousa “uma correção de rumo” e será preciso “partir pedra” com os partidos para decidir qual o Executivo a formar. “Num Governo apoiado pelo Livre”, exigirá que ministros e secretários de Estado passem previamente por audições parlamentares.
Pelas contas de Pedro Nuno Santos, o Livre pode contribuir indiretamente para a vitória da AD. Diz que o PS perdeu nas últimas eleições por 50 mil votos e o Livre teve 200 mil. Como contraria este argumento de voto útil?
Há tantas maneiras de contrariar isso que a dificuldade é escolher. Em primeiro lugar, Pedro Nuno Santos não foi primeiro-ministro há um ano porque não quis. A Esquerda tinha mais deputados do que a soma da AD e da IL. O Chega estava posto fora de qualquer bloco de governação pelo famoso “não é não”. E Pedro Nuno Santos simplesmente disse a Luís Montenegro e ao PSD tomem lá a bicicleta, governem. Não quis esperar que os votos acabassem de ser contados, quis ir para a Oposição. Entretanto, percebeu que isso foi um erro. O parlamentarismo não é como o futebol. Quem fica em primeiro lugar na tabela não quer dizer que vá governar. Quem governa é quem consegue estabelecer um bloco governativo com um apoio mais coeso e coerente. Aliás, não fica bem à Esquerda, depois da experiência da geringonça, dizer às pessoas uma coisa que não é verdade. O problema foi a incapacidade do PS, na altura, de crescer ao centro.
Neste ano, o PS conseguiu crescer ao centro ou o PSD está a ocupar o chamado centrão?
Sabemos que a AD e a IL governarão juntas, se necessário. Rui Rocha já o disse claramente. Mesmo que Pedro Nuno Santos tivesse mais um deputado do que a AD, não governaria. O que existe é a possibilidade de AD e IL governarem em conjunto ou de PS e Livre, e outros partidos à esquerda que queiram fazer parte de uma solução governativa, governarem em conjunto. Ou seja, se o Livre tiver mais do que a IL e se o PS tiver mais do que a AD, a Esquerda governará. Portanto, o Livre está a fazer a sua parte do trabalho.
O Livre receia aqui o abraço do urso por parte do Partido Socialista?
Não receamos abraço de urso nenhum. Temos potencial de crescimento e estamos a dar provas disso. Estamos otimistas. Quem tem ideias nunca receia nenhum tipo de abraço de urso. Não receamos que queiram fazer de nós pequeninos para pesarmos pouco, nem assumir responsabilidades necessárias para o país. É verdade que, para podermos pesar em soluções de futuro, temos de crescer e as pessoas devem apostar em nós. Vou dar dois exemplos. Um tem a ver com a questão de Luís Montenegro e de saber se um primeiro-ministro pode ou não ter uma empresa de consultoria em funcionamento na sua esfera familiar. Dizemos que não deve, nem pode. Queremos que seja implementado um critério como existe noutros países, como Canadá, Reino Unido, Dinamarca, que são dos mais eficazes na luta contra a corrupção, pela transparência e pela integridade. Uma empresa deste tipo deve ser colocada em gestão profissional e independente, completamente separada em termos de fluxo de informação. Num Governo que seja apoiado pelo Livre, vamos fazer essa exigência. Também queremos que ministros e ministras, e se possível secretários de Estado, venham ao Parlamento primeiro fazer audições. É o momento ideal para apanhar conflitos de interesse, porque muitos podem ser sanados no princípio, e para ver se a pessoa tem uma visão para a sua pasta. Um ministro ou uma ministra que não se aguente numa audição parlamentar no início do mandato também não se vai aguentar a meio. E é melhor apanhar isso no início, tal como se faz no Parlamento Europeu com os comissários.
Não vamos conseguir impor isso ao PS com quatro deputados, mas se tivermos o dobro de deputados conseguimos.
Há um ano, teve conversas sobre cenários eleitorais e de governabilidade com Pedro Nuno Santos e Mariana Mortágua. E agora? O telefone tem estado ativo?
Mantemos sempre uma boa relação. E este deve ser o momento que tem melhores relações pessoais entre as lideranças à esquerda. É sempre possível ligar ou atender o telefone para resolver um mal-entendido, antes de se tornar uma coisa mais grave. Ainda há muito a disputar até às eleições, mas pode ser importante ao arco do progressismo e da ecologia de que o Livre faz parte dar sinais claros de estar pronto para ter uma solução para o país no quadro destas eleições. Após quase 10 anos de maioria à esquerda, é natural que as pessoas tenham dificuldade em aceitar uma nova mudança de polaridade política, um ano após ter ocorrido a última. A maneira que a Esquerda tem de descansar as pessoas e dizer que estamos prontos a governar com objetivos muito claros é, por exemplo, haver um acordo público de governação escrito. Pode existir após as eleições, mas será mais justo e honesto que haja antes.
Já percebeu se há eco para essa proposta de um entendimento escrito pré-eleitoral?
Tenho estado a fazer esta proposta em público e acredito que as outras lideranças à esquerda são capazes de ver mais longe. É difícil fazer o que nunca foi feito. Muitas vezes, há um certo receio dos partidos e acham que estão a dar demasiada liberdade aos eleitores. Mas os eleitores já reclamam essa liberdade, já a vão usar. A grande questão é saber se somos capazes de crescer e de assumir responsabilidades governativas, de dar estabilidade e governabilidade ao país. Há espaço para uma reflexão que possa ser útil para todos. Caso contrário, também estou disponível para ouvir as ideias que vierem do outro lado.
Quando fala de um programa político de mínimos para a Esquerda, em que balizas está a pensar?
Estou a pensar em Saúde, Habitação e Educação. E num compromisso muito claro em matéria europeia e internacional. As pessoas querem ficar absolutamente descansadas e confiantes de que uma governação à esquerda em Portugal irá reforçar a proteção da Europa numa era de Trump e de Putin. Estou a falar também de uma fasquia que tem que ser elevada em matéria de governação, do Estado de Direito, da democracia e dos direitos fundamentais. O livre propôs um estudo de stress sobre o nosso próprio Estado de Direito, como foi feito para a França. Precisamos de saber qual a sua resiliência.
Já são conhecidas algumas coligações autárquicas entre PS, Livre e não só. É um bom indício para um entendimento nacional?
Nenhuma coligação está fechada. Às vezes, há uma espécie de pré-anúncios. Estamos em conversações com PS, Bloco e PAN. O PCP pôs-se fora dessas negociações. Mas é preciso deixar claro que ainda não estão fechadas porque dependem do trabalho programático, que é bastante árduo e foi interrompido pela campanha.
Em Lisboa, o processo está atrasado devido às legislativas?
Sim. O atraso não é devido a nenhuma falta de vontade por parte de ninguém, nem de Alexandra Leitão, nem dos nossos interlocutores no Bloco e no PAN. Deve-se às legislativas e ao empenho com que estamos nelas. Estou otimista para que surja uma coligação em Lisboa que derrote Carlos Moedas.
Como interpretou a informação do presidente da República de que dará posse a um Governo que consiga garantir que o programa não será inviabilizado no Parlamento. E, quanto a responsabilidades nesta crise, Belém teve influência neste desfecho?
O presidente da República, na anterior crise política que envolveu António Costa, ficou muito preso pelas suas palavras em relação à impossibilidade de mudar de primeiro-ministro a meio do Governo. Nunca é bom falar de forma taxativa sem conhecer todas as possibilidades. Agora, faz uma correção de rumo em relação às eleições anteriores. No fundo, diz que aqui o campeonato não é quem fica em primeiro e não vamos saber imediatamente o Governo na noite das eleições. Vai ser preciso partir pedra, que os partidos se sentem à mesa, que comuniquem ao presidente até onde estão dispostos a ir em termos de governabilidade, o que exigem para formar Governo e que linhas vermelhas têm, para ele, então, ver qual é o Governo mais estável que pode formar. Creio que, desta vez, a situação será muito diferente se, como há um ano atrás, a Esquerda tiver mais votos do que a soma da AD e da IL. Em relação às responsabilidades nesta crise, são de Luís Montenegro. Quis rebentar com o seu próprio Governo para ir a eleições imediatamente. Colocou Marcelo Rebelo de Sousa num túnel que só tinha como saída as eleições.
O Livre está então disposto a fazer parte do Governo?
Temos que dar às pessoas garantias disso, de que, se houver uma maioria à esquerda, somos parte da solução. E quando dizemos que somos parte da solução é ter capacidade para implementar política pública a partir de um Executivo. Não tenho a mínima dúvida de que teríamos os quadros suficientes e conseguiríamos chegar a quadros para lá do partido, pessoas que se têm aproximado de nós e com as quais trabalhamos nas universidades, nas pequenas e médias empresas e no associativismo. Caso não haja uma maioria que nos possibilite fazer esse desempenho de papéis executivos, temos os quadros necessários para as funções parlamentares. Não só estou muito sereno com isso, como estou com muita vontade de os ver a trabalhar.
Para que serviram as primárias quando vemos que o Livre aposta essencialmente em manter os cabeças de lista?
Foram as nossas primárias mais participadas e não acho nada de bizarro que as pessoas tenham gostado de ver os seus deputados a trabalhar e queiram vê-los mais a trabalhar. Ou seja, que os eleitores do Porto tenham escolhido Jorge Pinto e Filipa Pinto porque gostaram muito de os ver a trabalhar no Parlamento, mas que também, logo a seguir a Raquel Pichel e o Hélder Verdade Fontes sejam excelentes novos quadros do partido. Ela da área da saúde, ele da área da indústria. As pessoas estão satisfeitas e votaram nesses deputados, mas também apareceram novos cabeças de lista e isso é muito bom. Temos o Filipe Honório em Aveiro, que tem hipóteses de eleição. Da outra vez, tinha ficado a Joana Filipe em primeiro, desta vez está em segundo. Portanto, as primárias serviram para muito debate, para a preparação dos candidatos. Temos listas muito jovens. E temos capacidade de disputar a eleição em Braga, em Aveiro, em Leiria, talvez no Algarve também.