Ana Pinto, o marido, Justo Montes, e a filha de ambos, Esmeralda Montes, foram condenados esta terça-feira pelo Tribunal de Setúbal a penas máximas pelo homicídio qualificado brutal de Jéssica Biscaia, em junho de 2022. A mãe da menina de três anos, Inês Sanches, foi condenada por homicídio qualificado por omissão.
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O Tribunal de Setúbal condenou à pena máxima (25 anos de prisão) os quatro envolvidos na morte brutal de Jéssica Biscaia, a menina de três anos torturada até à morte com mais de 150 golpes ao longo de cinco dias, em Setúbal, em junho do ano passado. A mãe, Inês Sanches, consideraram os juízes, entregou, sem se preocupar, a menina para ser morta às mãos de Ana Pinto (“Tita”), o marido, Justo Montes, e a filha do casal, Esmeralda. A tese de que Jéssica era penhor de uma dívida que Inês tinha com “Tita” por bruxaria não foi dada como provada.
“Em parte ou em época alguma do Mundo é tolerável o que fizeram. Quantas vezes mais podiam bater na menina para atingir o patamar máximo de horror previsto para o crime de homicídio qualificado”, censurou o juiz, que dava murros na mesa para exemplificar a violência de cada pancada que a menina sofreu enquanto esteve na casa dos homicidas, no Beco da Pinhanha, entre 15 e 20 de junho. ”Não há qualquer atenuante a favor dos arguidos, nem sequer a ausência de antecedentes criminais”, adiantou.
“Cada nódoa negra no corpo da menina era uma pancada e foram contadas 76 pancadas, mais 78 picadas, incluindo o derrame de um produto abrasivo na face da menina e peladas na cabeça, fruto de puxões quando a menina estava já moribunda e sem capacidade de regeneração”, descreveu Pedro Godinho.
A causa da morte de Jéssica foram abanões violentos, seguidos de pancadas fortes na cabeça. “O perito de medicina legal que veio a julgamento não pôs de lado a hipótese de Jéssica ter sido agarrada nos pés e jogada com a cabeça contra a parede”, descreveu o juiz.
Inês Sanches chorou enquanto o tribunal decretava a pena máxima para si. “Tinha a PJ e a GNR perto de si para pedir ajuda e chegou a ir ver a menina no dia antes dela morrer, viu-a moribunda e voltou para casa, foi para o karaoke e ignorou várias chamadas que a família Montes fez durante essa noite”, disse.
No dia em que a menina morreu, Inês levou-a para casa já moribunda, passou junto da PJ, GNR e perto do hospital, mas optou por não pedir socorro. “É difícil compreender o motivo pelo qual não a levou ao hospital, talvez para não perder a Jéssica, se morresse morria, mas era sua”, disse o juiz Pedro Godinho.
Motivo por apurar
O motivo do homicídio ficou por determinar. A investigação apontou uma dívida por causa de um serviço de bruxaria feito por “Tita” a Inês para salvar a relação com o então namorado - um saco de ervas que Inês colocou debaixo da cama - mas o tribunal não acreditou. “Os arguidos falaram, à exceção de Esmeralda, mas mentiram. Ainda assim, jogavam algumas migalhas de verdade num jardim de mentiras que o tribunal ia apanhando”, ironizou Pedro Godinho.
O tribunal não conseguiu comprovar quem fez o quê a Jéssica, mas todos os que moravam na casa onde ocorreu o homicídio ou bateram ou conformaram-se com as agressões que a menina sofreu e que aconteceram quando estavam lá”, afirmou o magistrado. Justo negou as agressões, mas disse ser o chefe da casa e que nada acontecia sem que soubesse, “Tita” garantiu ter recebido a menina e tratado dela e Inês confirmou apenas que a entregou e a recebeu. Esmeralda não falou, mas deixou o seu ADN na fralda que a menina usava antes de morrer.
“Os vestígios encontrados na casa dos arguidos, mesmo depois da tentativa de limpeza com lixívia e fuga para Leiria, a conjugar com as câmaras na GNR, PJ, e num multibanco que captam a menina, são provas do que aconteceu”, disse o juiz. Alexandrino Biscaia, pai de Jéssica, viu o tribunal atribuir-lhe uma “indemnização simbólica” de 50 mil euros.
Violação e tráfico de estupefacientes não foram dados como provados
O tribunal não deu como provado que Jéssica fosse usada como “mula” de droga pela família Montes, nem que estes se dedicassem ao tráfico de droga. A menina tinha vestígios de cocaína no sangue, mas não foi possível provar que fosse pela introdução da cocaína no ânus para esconder a droga da Polícia em viagens entre Leiria e Setúbal. O tribunal apoiou-se no perito de medicina legal que detetou lesões no ânus anteriores aos cinco dias de tortura em casa dos arguidos, vestígios que podem ser justificados por a menina estar no mesmo local onde foi consumida droga.
Pormenores
Filho absolvido
Eduardo Montes, filho de “Tita”, foi absolvido dos crimes de violação de Jéssica e tráfico de droga. O tribunal não encontrou provas que tivesse participado na morte de Jéssica.
“Foi feita justiça”
À saída do tribunal, Eduardo disse que “foi feita justiça” no seu caso, mas escusou-se a comentar a pena dos seus pais. Eduardo não esteve em casa em três dos dias em que Jéssica foi torturada. Mostrou multas em Espanha para comprovar o seu paradeiro.