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Nos seis primeiros meses do ano, morreram 10 mulheres por violência doméstica. Só na segunda-feira, 30 de junho, a PJ deteve cinco homens por crimes de violência sexual contra mulheres e menores. Entre eles houve violações num ginásio e num hospital, duas vítimas com deficiência ou em situação de vulnerabilidade, uma criança de 12 anos cujo agressor é o padrasto e uma menor aliciada por um desconhecido nas redes sociais. Na mesma semana, soubemos que um homem sequestrou e agrediu uma grávida durante 20 horas, e que dois rapazes salvaram a mãe que estava a ser asfixiada pelo marido. Mas o Governo está ocupado com outras coisas.
Desde que Luís Montenegro é primeiro-ministro que a lista das urgências obstétricas fechadas se tornou opaca. As grávidas dependem do número SNS24 para ter atendimento e o problema de falta de hospitais disponíveis só se tem agravado. Na última semana, duas mulheres perderam o seu bebé por falta de assistência atempada. Uma que andou de hospital em hospital, tentando que as suas queixas fossem levadas a sério, outra porque andou da Margem Sul a Cascais para conseguir parir, ambas tarde demais. Sabemos da tendência para que tudo piore com as férias de verão, mas o Governo está ocupado com outras coisas (nomeadamente fazer reverter a lei, aprovada há poucos meses, contra a violência obstétrica).
A tudo isto soma-se o agravar da crise da habitação, com Portugal a registar a maior subida da UE no preço das casas, mais o agravamento da crise climática, que matou, só nesta última onda de calor, cerca de 70 pessoas. As notícias tristes sucedem-se, os números que mencionei são assustadores, mas o Governo anda ocupado com outras coisas (nomeadamente gastar 500 mil euros na indústria do armamento para fazer a vontade a Trump).
Irónico é pensar que, enquanto andam ocupados com as ameaças distantes (da guerra eventual) ou imaginárias (da imigração) ou em fazer retroceder a legislação que protege os direitos das mulheres, bem como em diminuir os impostos para escalões mais altos e permitir que as dunas de Troia e Comporta sejam privatizadas (citando novamente e apenas notícias da última semana), a ameaça real é contra os mais vulneráveis e está a acontecer pelas mãos do próprio Governo ou com a sua conivência.
O desmantelamento do SNS é uma dessas grandes ameaças e é especialmente clara no desamparo das grávidas e recém-nascidos deste país. Mas enquanto o Governo anda ocupado a mudar a lei da nacionalidade ou a reprimir a imigração, como o gémeo siamês da extrema-direita, a ameaça real para as mulheres e crianças desta terra está dentro de suas casas. Enquanto o Governo e os falsos patriotas culpam a imigração (que contribui para a economia do país e para a segurança social), mas vendem a nacionalidade aos vistos gold (que agravam o problema da habitação), numa lei feita de racismo, continuam a ignorar as mulheres que tombam, dia após dia, nesta espécie de guerra civil em que vivemos.