Nos últimos anos, houve uma palavra que entrou definitivamente no léxico político português: cativações. O Governo foi acusado de reter parte dos montantes orçamentados no lado da despesa durante anos. E a acusação era justa, porque o Executivo retinha mesmo. Aliás, as cativações resultaram num desinvestimento que ajuda a explicar a degradação dos serviços públicos que é hoje visível aos olhos de todo o país.
Mais do que um instrumento de gestão orçamental, como chegou a ser classificado, foi uma autêntica fraude democrática que se enraizou nos últimos oito anos. Eram apresentados orçamentos, com promessas inscritas em lei de gastos de milhões de euros em áreas-chave, mas que - chegados ao final do respetivo ano - tinham ficado na gaveta e o que tinha sido executado estava muito longe do orçamentado. O Parlamento, ao qual cabe aprovar o Orçamento do Estado, fazia de conta (alguns partidos) que discutia e votava a lei que rege as finanças do país anualmente, mas tratava-se mesmo de um exercício de fazer de conta. Porque a prática que se repetia ano após ano confirmava a ideia de que o Orçamento votado estava muito longe de corresponder ao Orçamento que era realmente executado.
Foram anos em que os serviços públicos ficaram à míngua, com consequências que se sentem de forma mais acentuada nos tempos recentes. Além da imoralidade política de proclamar uma coisa e fazer o seu contrário, há resultados concretos e catastróficos desta opção. Quem os sente no dia a dia é quem trabalha nestes serviços e quem tem necessidade de a eles recorrer, com as dificuldades que resultam de anos a fio de desinvestimento.
Contudo, veio agora o ministro das Finanças, Fernando Medina, anunciar que o Orçamento do Estado para 2024 não terá cativações. Na prática e para bom entendedor, isto significa que o Governo promete que no próximo ano vai cumprir a lei. Ou seja, o que propuser ao Parlamento será mesmo o que virá a executar. A ver vamos. Porém, este anúncio foi feito com uma solenidade tal, como se ao Governo não fosse exigido que sempre o tivesse feito.
Assim, António Costa e Fernando Medina comprometem-se a fazer no próximo ano nada mais, nada menos do que a sua obrigação. Ou seja, a executar realmente os montantes que estiverem inscritos no Orçamento. Lamento é que só o façam agora, quando os efeitos dessa má opção foram tão custosos para o país e para os portugueses. E depois de longos anos a negarem ter feito o que agora garantem que não voltarão a fazer.
