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Não é apenas “catástrofe humanitária”, como disse o ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, embora a carga da expressão seja dramática. Estamos a ser cúmplices, antes de tudo, de um genocídio oportunista. Mas nem assim, no Parlamento português, os deputados conseguem entender-se em relação ao reconhecimento do Estado da Palestina. Se tivesse existido fumo branco na Assembleia da República, sejamos claros, Portugal seria apenas mais um país em quase centena e meia. O sofrimento daquele povo mártir seria o mesmo. A grande vantagem seria nossa, porque a resolução nos permitiria passar a estar do lado da decência, respeitando as resoluções da ONU num momento crucial para o povo que Israel está a reduzir a cinzas. Mantemo-nos ao lado da vergonha e do genocídio porque os tempos voltaram a ser de confronto ideológico, um debate que toca as tangentes do acéfalo em muitos palcos, transportando-nos para a realidade vivida pela Europa nos anos 1930 e 1940. A divisão do Parlamento entre Direita e Esquerda é natural e não se deve confundir o PSD com o Chega – partido que nunca se incomodará com as mais de 50 mil crianças mortas na Faixa de Gaza, como atesta a vergonhosa amplificação do nome de alunos estrangeiros do pré-escolar em plena sessão parlamentar, confirmando-se assim que boa parte do bloco populista não quer saber dos miúdos e dos adolescentes para nada – ou então gosta mesmo muito deles, não é, Nuno Pardal? Mas ao núcleo que suporta o Governo, constituído por forças tradicionalmente humanistas, exige-se outra responsabilidade e a coragem de colocar o país ao lado de, por exemplo, Espanha, Noruega ou Irlanda. Enquanto não o fizermos, continuaremos a ser cúmplices, esquecendo os valores da vida e a forma como a História nos obrigará a explicar aos nossos filhos e netos como foi possível nada fazermos perante este nirvana da brutalidade.