“Há qualquer coisa prestes a acontecer”, de Victor Hugo Pontes, em cena no Porto.
Corpo do artigo
Quando o Centro Cultural de Belém convida Victor Hugo Pontes para fazer uma peça celebratória dos 50 anos do 25 de Abril, o coreógrafo encontra a saída de emergência para a insatisfação que sentia com os intérpretes que teve de descartar na audição de “Bantu”, a criação anterior.
Em “Há qualquer coisa prestes a acontecer”, Victor Hugo Pontes toma de préstimo a ansiedade do verso de José Mário Branco “há sempre qualquer coisa que está pra acontecer”, do tema “Inquietação”. E tomando a nudez como forma máxima de liberdade, parte para essa exploração com uma massa coletiva.
Ao longo da sua carreira, Hugo Pontes tem comprovado que a qualidade dos seus espetáculos é proporcional à quantidade de intérpretes. O fenómeno é visível independentemente do dispositivo cénico. Se “Carnaval”, coreografia para a Companhia Nacional de Bailado, ou “Drama”, um pressuposto eminentemente teatral, provavam a teoria, mas com dispositivos cénicos que permitiam diferentes usos de níveis e perspetivas em cena, “Há qualquer coisa prestes a acontecer” é despojado. Não há vícios de formato – é tudo feito artesanalmente e essa criação de níveis é coreograficamente engenhosa.
Ainda que “O jardim das delícias terrenas”, de Hieronymus Bosch, seja uma inspiração visual, a cerâmica grega em movimento, num fundo negro com a luz avermelhada sobre os corpos nus, torna-se uma realidade, um presente da designer de luz Wilma Moutinho.
A música original de João Carlos Pinto, intercalada com arranjos de J. S. Bach e Debussy, vinca a dualidade entre o instintivo e o racional. A escolha de Pirii Pimentel Rodrigues e Bruna Maia de Moura adiciona níveis de leitura à experiência imersiva. A tensão perante a catástrofe latente pode ter várias camadas e Victor Hugo Pontes está mais do que preparado para as enfrentar.
"Há qualquer coisa prestes a acontecer”
Victor Hugo Pontes
Teatro Nacional São João
até 2 de março