Profissional era responsável por provas e sugestões de bebidas, mas hotel fez contas e instaurou processo disciplinar.
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José M. desempenhava funções de supervisor de escanção num hotel da Nozul Algarve e, por quatro vezes, entre dezembro de 2023 e janeiro do ano seguinte, bebeu álcool da unidade hoteleira, com mais trabalhadores e à vista de outros tantos, sem o consentimento da empresa. Por esta razão, foi despedido. Contestou na Justiça e venceu em primeira instância, mas a empresa recorreu e, agora, viu o Tribunal da Relação de Évora reconhecer-lhe razão e validar o “despedimento por justa causa”.
A alegada infração do escanção – profissional responsável por provar, escolher, aconselhar e servir vinhos – foi detetada no fecho do inventário do hotel relativo ao mês de janeiro de 2024. O respetivo diretor financeiro apercebeu-se de divergências quando comparou os bens consumidos com os vendidos, dado que, na prática, não existiam vendas, desperdício ou ofertas registadas que suportassem o consumo das garrafas.
Na sequência da análise do diretor financeiro, e por deliberação da Direção da empresa, foi instaurado um processo prévio de inquérito a quatro trabalhadores, entre eles o supervisor, e visionadas as câmaras de videovigilância existentes num dos restaurantes.
José M. foi suspenso preventivamente de funções. E, em abril, já no âmbito de processo disciplinar, foi aplicada ao supervisor, que trabalhava na empresa há dois anos, a sanção disciplinar de despedimento, sem qualquer indemnização ou compensação, sob o pretexto de que tinha havido uma “quebra da relação de confiança” que tornava “imediata e impossível a subsistência do vínculo laboral”.
“Quebra da confiança”
O trabalhador contestou a demissão na Justiça. E, em 25 de outubro de 2024, o Juízo do Trabalho de Portimão declarou “ilícito” o despedimento e condenou a empresa a pagar ao autor as retribuições – no valor mensal de 1643,94 euros por mês – que seriam devidas desde a data do despedimento e até ao trânsito em julgado da decisão, assim como uma indemnização em valor equivalente a vinte dias de retribuição-base por cada ano, até à data do trânsito em julgado da decisão.
Inconformada com tal sentença, a entidade empregadora interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora que revogou a decisão e validou despedimento.
No acórdão, datado de 27 de fevereiro e a que o JN teve acesso, os juízes desembargadores Emília Ramos Costa (relatora), João Luís Nunes e Paula do Paço afirmam que homem era “supervisor de sommelier” (escanção), “o que demonstra a especial confiança que esta depositava naquele”. “Porém, indiferente à especial responsabilidade que o cargo de chefia lhe impunha, atuou, de forma desleal e desonesta, com outro trabalhador, em frente de outros, transmitindo, desse modo, e enquanto supervisor, um péssimo exemplo para os demais trabalhadores”, argumentam.
Na decisão, em que defendem que tal comportamento de José M. “consubstanciou uma violação do dever de realizar o trabalho com zelo e diligência”, os desembargadores referem que é irrelevante se o autor “aguenta bem a bebida” e não demonstrava comportamentos alcoólicos.
“Este comportamento do autor – numa estrutura como a da ré, com vários restaurantes, em que o supervisor de sommelier se apropria dos bens que melhor deveria saber conservar, dadas as suas funções – viola inquestionavelmente o dever de lealdade que lhe era exigido para com a sua entidade empregadora, bem como viola o dever de zelar pela conservação e boa utilização de bens relacionados com o trabalho, que lhe foram confiados pelo empregador”, concluem, defendendo que tal conduta determina “a quebra irreparável da confiança que devia reger a relação laboral, sendo objetivamente ilegítimo obrigar a entidade empregadora a manter tal relação.”