Idosos isolados. “Foi com este aparelho que pedi socorro, não me podia levantar”
Anunciação e Olívia foram das primeiras pessoas a receber o SOS da eGuard no concelho de Tondela, e já não vivem sem ele. O programa da GNR foi implementado pela primeira vez em 2020, na Guarda.
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Ao pescoço, escondido entre o lenço e a camisola, Anunciação Simões traz um fio com um dispositivo pendurado ao nível do peito – o SOS da eGuard. À chegada dos militares, a octogenária abre a porta de casa com um sorriso no rosto. Entre abraços, São, como carinhosamente é tratada, saúde os militares da GNR que, semanalmente, lhe fazem uma visita e que já considera “família”. A chegada dos protetores é “uma festa”, muitas vezes acompanhada de umas “asneiras”.
Desde que o marido faleceu, há cerca de 35 anos, que São vive sozinha, numa freguesia do concelho de Tondela. A casa, onde viveu com o marido e onde criou os três filhos, tem em redor a horta, que aos 85 anos ainda cultiva, seguida de centenas de eucaliptos que, quando o vento sopra com mais intensidade, “fazem muito barulho”. Mas, apesar do lugar, a idosa afirma que quer continuar a viver ali. Em agosto passado, perdeu a companhia da vizinha mais próxima, que vivia numa das poucas casas que existem por perto.
No entanto, há uma companhia que nunca perde: o aparelho SOS da eGuard. Todos os dias, quando se levanta, coloca o fio ao pescoço e só volta a tirá-lo quando se deita. O ritual, que começou há cerca de quatro anos, já se tornou “automático”. “Isto é uma companhia que eu trago comigo e que já não posso viver sem ela”, assume. Antes de São ter o aparelho, os filhos bem tentaram que a mãe deixasse a casa, mas, perante a relutância da matriarca em dormir em casa deles, acabaram por desistir. Agora, estão todos mais descansados e Anunciação mais segura.
Sentada no banco de pedra que tem no jardim, que fica na parte da frente da casa, põe a conversa em dia com os “amigos” e recorda a única ocasião em que precisou de acionar o botão SOS. Foi no segundo dia de 2024 e nunca mais se esqueceu. Quando acordou, a octogenária sentiu-se tonta. “Para ir à casa de banho tinha de me segurar às paredes todas. Não me segurava de maneira nenhuma”, recorda. Encostada “aqui” e “ali”, Anunciação preparou-se e acionou o botão. “Veio a GNR e trouxe logo os bombeiros. O aparelho salvou-me a vida”, afirma São.
Contudo, esta não foi a primeira vez que o alarme soou. Perdidos de riso, São e os militares Maria Branco e Ricardo Sousa relembram o dia em que a galinha “carregou” no alarme. Enquanto São se preparava para matar o animal, ouviu a voz de um dos militares através do aparelho e, foi aí que percebeu que, ao segurar a galinha contra si, esta fez pressão no botão e “pediu socorro”. Grata por poder ter o aparelho, São ainda gosta mais da companhia que os militares lhe fazem, quando a visitam. Dizem-lhe “para não deixar a chave na porta, para andar devagarinho e dão-me conforto”, conta a idosa.
Companhia maravilhosa
Assim como São, Olívia Sousa já foi salva pelo alarme. A mulher de 75 anos vive na mesma casa, construída praticamente no meio do monte, desde que nasceu. “Aqui nasci e aqui fui criada com os meus pais”, conta, enquanto nos abre o portão. Há 22 anos que ficou sem companhia, depois da mãe partir. Em casa da septuagenária, não há barulho. Enquanto cumprimenta os militares, de quem tanto gosta, soa de fundo a roda, que à medida que o vento corre, chia e afasta os pássaros.
Questionada sobre ter medo de viver sozinha entre o monte e o campo, Olívia, que tem sempre uma resposta rápida na ponta da língua, diz que “se tivesse medo, estava mal da vida”.
O irmão vive umas ruas mais a baixo e quando Olívia consegue dá lá um salto. Mas, na maioria do tempo, dedica-se às “terras”. Vai plantando “umas cebolas e umas alfaces”, para compensar a pequena reforma.