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O arquiteto fez 92 anos. E parece tão ativo como há dez, vinte ou cinquenta. Vive acompanhado pelos seus projetos, pelo fumo do tabaco e por uma televisão que liga ao chegar a casa. Há quem lhe faça perguntas ridículas, quem tenha a curiosidade de saber o segredo e a razão que o leva a não desistir dos projetos, das obras, das viagens, dos colóquios, das entrevistas, dos cigarros, das polémicas. Como se lhe fosse possível ser de outra maneira.
Siza Vieira imaginará o espaço até o tempo se esgotar, até lhe bater à porta o dia que, à semelhança do primeiro, será mais curto do que todos os outros. O arquiteto dos arquitetos acaba de fazer 92 anos e está às voltas com a nova Biblioteca de Coimbra e a Avenida da Ponte que transformará num lugar de vida, com casas, jardins e um verde que espantará a ferida aberta no coração do seu Porto, cidade onde viveu a glória, o amor, a morte, a esperança, a partilha e a mais profunda e desesperada solidão.
Fez anos, tem a cabeça ocupada com o futuro, mas todos os dias, assim que chega a casa, liga a televisão para poder descansar sem o pesado silêncio das madrugadas. Com fantasmas maus, mas também dos amigos, dos pais e de Maria Antónia que lhe morreu demasiadamente jovem, tragédia que o empurrou para a arquitetura e a felicidade dos outros, dos que imagina nos seus esquissos, não da sua. O mundo ficou a ganhar, mas suspeito que o arquiteto trocaria tudo pela possibilidade de uma dança que tivesse durado a eternidade.