“Violetas”, de Vânia Doutel Vaz, conta com um elenco de luxo, mas ficou nos interstícios. Peça pode ser vista esta sexta-feira e sábado no Teatro do Campo Alegre, no Porto.
Corpo do artigo
No palco nu do Teatro Campo Alegre, no Porto, há cinco presenças que se movem como pressentimentos. “Violetas”, criação e interpretação de Vânia Doutel Vaz para o Festival DDD, com Lua Aurora, Lucília Raimundo, Piny e Wura Moraes, não quer encantar – é uma dança íntima, seca, sem adornos.
Um convite a ver o corpo sem moldura, e a escutar o que acontece quando tudo o resto se cala.Aqui, o corpo é o começo e o fim. Não há música a guiar, nem narrativa que apazigue os 60 minutos da peça. Há resistência, tensão, pulsação interna. As intérpretes, todas mulheres afrodescendentes, dançam como quem ocupa e escreve território com os pés. Passeiam-se sobre o dorso umas das outras, desenhando cicatrizes coreográficas de quem passou por ali.
Há algo de animal na gestualidade – uma tensão selvagem entre o ataque e a defesa.
Piny, inclassificável, carrega no corpo contemporâneo flamenco, voguing, dança oriental e b-boying, mas recusa fixar-se em qualquer uma dessas categorias. É corpo-movimento em estado bruto. Arranha o espaço, faz lanhos no cenário, deixa marcas que depois Vânia Doutel tenta consertar, como quem lambe feridas.
Lucília Raimundo e Wura Moraes oferecem uma fisicalidade que não se submete à estética, mas à verdade. Lua Aurora é silêncio que escorre. Vânia surge como uma marioneta do seu próprio peso, movida por uma força telúrica – e quando levanta o dedo, não é gesto, é acusação.“Violetas” joga com a expectativa, com aquilo que pressupomos antes de vermos.
Cada gesto é também uma pergunta: o que esperamos de um corpo em palco? É uma peça que se recusa a confortar. Em vez disso, instala-se nas margens, nos interstícios, naquilo que não sabemos nomear. Precisávamos de mais do que as cicatrizes coreográficas que nos deixaram em anos anteriores.