Mais do que da responsabilidade política, este é o momento em que se percebe a irresponsabilidade do Chega no momento da captação e da escolha dos candidatos que apresentou a eleições. Sabe-se agora que um seu deputado municipal, até ontem vice-presidente da distrital de Lisboa, apoiava a castração química de pedófilos depois de ter tido relações sexuais com um menor de 15 anos a troco de 20 euros. A mesma pessoa que, envolvida num esquema de prostituição de menores agravada, fazia parte do Grupo de Trabalho da Assembleia das Crianças de Lisboa. Se isto podia ser uma síntese do nojo, demagogia, mentira e falta de escrúpulos, não deixa de ser apenas uma das muitas notícias que envolvem dirigentes, deputados e quadros do partido de André Ventura a quem alguns portugueses confiaram 50 deputados para “limpar Portugal”.
E assim se procede à limpeza, recrutando oportunistas. Para além do referido Nuno Pardal Ribeiro, também o exemplo do deputado Miguel Arruda que furtava malas em aeroportos para vender o seu conteúdo online na Vinted, armazenando-as no seu gabinete na Assembleia da República (AR). Contado, ninguém acredita. Este deputado, que usava os CTT do Parlamento para os envios de roupa de forma a ter descontos nos selos e envelopes das encomendas, manifestou apoio a neonazis como Mário Machado (“Eu pertenço ao Mário”, disse) enquanto reiterava saudades do Estado Novo. Este deputado do Chega, que agora balança entre a baixa psiquiátrica e o regresso ao Parlamento, é mais um dos casos exemplares que atestam a lama que a extrema-direita arrastou para a AR com a conivência do voto de muitos.
Nenhum destes casos deveria espantar, senão pelo peso e gravidade explícita. Mas que dizer de um grupo parlamentar sistematicamente misógino e boçal, que cria um clima irrespirável (sobretudo para as mulheres) no Parlamento, onde quase um quinto dos deputados tem ou teve problemas com a Justiça, enquanto agitam a bandeira do combate ao crime, à corrupção ou à insegurança dos imigrantes? Não pode haver tantas surpresas castradas na lama sabendo-se de acusações de roubo, desobediência, imigração ilegal, dívidas ou falsificação de documentos. Poupem-nos então à surpresa. A retórica do líder do Chega começa a ter o confronto da realidade, mas não é preciso recuar muitos anos para o ler e ouvir a defender ideias e princípios completamente opostos ao que agora defende. O modelo deste partido personalizado em Ventura cresceu na exacta dimensão das mentiras que sempre contou. André Ventura foi e é, apenas, o exemplo-farol seguido pelos seus acólitos, onde vale tudo, toda a demagogia, toda a mentira para vender um produto populista que cabe em qualquer mala ou venda de segunda mão, onde tudo é verdade mesmo quando se trata do seu contrário. Agora, a chafurdar dentro da própria lama.
(O autor escreve segundo a antiga ortografia)

