A expressão “golpe de teatro” vulgarizou-se e aplica-se a muitas situações previsíveis onde nada indica que é a surpresa a liderar a acção. Em rigor, não há grande “golpe de teatro” quando existe suspense, já que o golpe pressupõe uma reviravolta súbita, a incandescência-fósforo de algo que se abate e muda a direcção dos ventos para o domínio do impensável. Normalmente, os “golpes de teatro” são deixados para o fim, sem princípio como aqueles cafés exigentes, nem meio. No debate do Orçamento para 2025, até pode haver teatro e retórica mas, se há algo que não existe, é qualquer golpe à vista perante um final já tão escrito, anunciado e previsível.
As reuniões secretas de Luís Montenegro com a IL e o Chega, na manhã de segunda-feira, foram um aperitivo de início de semana para mais retórica de arremesso, neste simulacro de argumentação em batalha naval, ora-jogas-tu-ora-jogo-eu, dados viciados que estendem o tapete para a reunião de hoje entre Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos, a terceira entre o Governo e o maior partido da Oposição, mas a primeira com os seus líderes. O “já não era sem tempo” aqui não faz escola. O tempo nada vale para um encontro onde está escrito que a não decisão e a falta de acordo são a antecâmara para mais uma semana de negociações em “loop”, onde é mais importante a táctica política do que o acerto ou desacerto relativo à real valia das medidas ou da natureza dos eventuais acordos.
Entre o IRC e o IRS Jovem, os pontos de acerto podem estar entre o faseamento dos prazos e a aplicabilidade de algumas medidas, ao ponto do Governo não ter grande dificuldade em recuar perante algumas imposições do PS, tendo em conta que lhe permitirão poupar para um excedente orçamental. Nesse sentido, o PSD está mais do que confortável com as reivindicações socialistas, cabendo ao PS passar a imagem de que tudo o que conseguir vai causar mossa no PSD. Nada de mais irreal. À custa do Orçamento de todos, passamos a vida a debater a sobrevivência política.
Os constantes avisos à navegação de Marcelo Rebelo de Sousa fazem parte do manual de um negociador e mestre de condicionamento. Como guia espiritual da aprovação do Orçamento, Marcelo pode estar a desempenhar um papel de eleição. Como garante da estabilidade, pode estar a tentar cumprir o seu papel. Mas não está a entregar a dose certa de respeito pela democracia quando condiciona a política partidária a um jogo com uma só solução, retirando-a da esfera dos partidos e da livre assumpção de responsabilidades pelos mesmos. Sabemos que Marcelo não gostaria de ter de gerir mais uma crise política no seu mandato mas, também aí, terá de assumir as responsabilidades por ter premido o gatilho.

