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A violência contra as mulheres parece ter-se tornado “trendy”, um objecto de conforto de energúmenos à boleia de Andrew Tate. Um conjunto de saqueadores morais que, de volta à idade das cavernas que têm como casa, transportam a bandeira da objectificação da mulher, vulgarizando-a e tornando-a até “jogável”. Na plataforma Steam, uma das maiores do Mundo de jogos online, disponibiliza-se “No Mercy”, um jogo de 11,79 euros sob o lema “torna-te o pior pesadelo para as mulheres”. Não é a primeira vez que esta plataforma diz ao que vem, tendo em conta que o machismo, misoginia, ódio e distopismo já eram vendidos em “Rape Day”, um jogo de 2019 onde os jogadores podiam assediar, matar e violar mulheres. Ainda hoje, nessa plataforma, vários jogos incitam ao incesto e violência contra as mulheres. O que isto significa para uma sociedade que glorifica youtubers numeiros “on prozis” ou grilas “on the run”, talvez seja apenas um reflexo de que a estupidez tem de ser combatida com violenta inteligência.
Os rapazes em idade escolar mostram-se mais agressivos e manipuladores, enquanto as raparigas se encolhem, mais submissas e permissivas. O espectro da regressão civilizacional, a olhos vistos. O que virá a acontecer a esta gente no mercado de trabalho não é difícil de adivinhar. Os casos mais recentes de estudantes da FEUP a trocarem fotografias tiradas debaixo da mesa às colegas de saia, a violação colectiva de uma jovem em Loures, partilhada com gozo por “youtubers”, o aumento da legitimação da violência no namoro. Uma em cada quatro raparigas adolescentes reconhece ter sido vítima de violência física ou sexual por parte do parceiro, 19 mulheres foram mortas em 2024 (tantas como em 2023) em contexto de violência doméstica, 1358 pessoas estão presas em 2024 pelo crime de violência doméstica. Um manual de violência e anormalidade que as redes sociais fomentam pela ausência crescente de controlo. O que antes era controlo parental é, agora, uma miragem monetizada por um conjunto de profetas do “come e cala”, frustrados que ganham voz fora dos divãs da psiquiatria, culpabilizando as mulheres pelas suas frustrações e falta de capacidade relacional.
Os impactos devastadores na saúde, no desempenho escolar, na família e na vida afectiva futura de quem sofre, todos os dias, da pendência permanente do abuso estão ainda por aferir. A certeza não é saudável. É preciso esclarecer, duvidar, lutar por direitos dados como adquiridos. É no desaparecimento das lutas colectivas nas novas gerações que se funda boa parte da permissividade a tantos retrocessos. O “eu” dominante da auto-ajuda masculinizou o Mundo com enciclopédias-menu de felicidade interior.
*O autor escreve segundo a antiga ortografia