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O Orçamento para 2024 foi apresentado ao excelentíssimo público num evento a fazer lembrar mais a entrega de um prémio cinematográfico do que a tradicional previsão de receitas e despesas do Estado. O salão nobre das Finanças vestiu-se de tons de azul para receber os jornalistas. Medina não decepcionou. Cumpriu todas as indicações audiovisuais e perpetrou uma performance digna de um filme de Paul Thomas Anderson. Depois, ele, o chefe e a dra. Mendes juntaram-se ao grupo parlamentar socialista para explicarem aos beneméritos as bem-aventuranças que terão de defender, em Novembro, no plenário. Costa aproveitou a sessão para firmar a sua posição napoleónica diante dos escolhidos e, enquanto a comunicação social pôde lá estar, do país. Para dentro e para fora, usou da mesma língua de pau com que a sua inconfundível lamparina de Aladino anda a encantar os portugueses há nove anos. Tentemos, pois, sair deste torpor mágico em que o PS e o Governo induzem a nação, e deixemos alguns sinais de realismo. Cavaco Silva, com ironia, afirmou não ter informação suficiente sobre “o grau de ilusão fiscal e de anestesia fiscal presente no Orçamento e na sua apresentação pública”. Isto porque, acrescentou, “os conceitos de ilusão fiscal e anestesia fiscal são muito importantes para analisar a apresentação pública de um Orçamento”. Este jornal, por outro lado, trazia ontem um conjunto de dados interessantes. Por exemplo, o IRS de 2024 será mais penalizador do que na fase pré-troika. Isto é, poder-se-á em alguns casos pagar menos de imposto na comparação com o “ano zero do Thermidor” de Costa, 2015, mas mais do que antes do dilúvio de 2008 em diante. Desembraiam-se os impostos indirectos - fim do IVA zero, aumento do IUC, do ISV, do imposto sobre produtos petrolíferos (ISP), logo, de gasolina, gás, fuelóleo gasóleo, electricidade, bebidas alcoólicas e não alcoólicas doces. Quanto à inflação, esse famoso “imposto oculto”, o jornal também exibia um gráfico interessante (INE) relativo à sua variação entre Agosto de 2023 e Agosto de 2015. No consulado Costa, a inflação, no total, aumentou 20%. Todavia, naquilo que é mais caro, em sentido amplo, para as pessoas (acabem com essa treta das “famílias”), mais: produtos alimentares (31%), habitação, água, electricidade, gás e outros combustíveis (20%), transportes (20%), restaurantes e hotelaria (46%).“Proletariza-se” cada vez mais a classe média, e média-baixa, com aquele disparate de que quem aufere entre cerca de novecentos e dois mil euros brutos é rico. Foi bonita a festa, dr. Medina. O pior vai ser a conta.
*o autor escreve segundo a antiga ortografia