Ensaísta, crítico literário e poeta, Eugénio Lisboa faleceu esta terça-feira aos 93 anos. Longo percurso marcado pela divulgação literária e "contestação aos autores canónicos".
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Verdadeiro intelectual “todo o terreno”, com uma obra que atravessou a poesia, a crónica, o ensaio, a crítica literária, as memórias e o diário, Eugénio Lisboa faleceu aos 93 anos, no Hospital Curry Cabral, em Lisboa, onde estava internado.
Numa nota de condolências divulgada no site da Presidência da República, o chefe de Estado recordou o “crítico e ensaísta com igual gosto pela valorização dos autores menorizados e pela contestação aos canónicos”.
O gosto pela literatura não se cingiu à escrita e à leitura, tendo-se ainda dedicado à docência e diplomacia cultural. Apesar desses desdobramentos em torno da paixão maior que eram os livros, a sua formação universitária era a engenharia eletrotécnica, chegando a trabalhar ao longo de duas décadas na gestão de companhias petrolíferas.
Nascido em Moçambique, na então Lourenço Marques, chegou a Portugal aos 17 anos, para estudar no Instituto Superior Técnico. Regressou ao país natal, em 1955, e participou ativamente no meio cultural da época, além de ter ajudado a desenvolver suplementos literários na imprensa, na companhia do seu amigo, o poeta Rui Knopfli.
Sempre com o “opaco”, o “arrebicado” e o “complicado” na mira, dedicou grande parte da vida a fomentar o gosto pela leitura, quer como professor quer como divulgador na imprensa, com colaborações no “Jornal de Letras”, “Ler”, “Diário Popular”, “O Tempo e o Modo” e “Colóquio-Letras”, entre muitos outros.
Num dos seus livros mais recentes, “Vamos ler”, publicado em 2021, apresentou um autêntico manifesto para os leitores relutantes, numa partilha do seu entusiasmo pela leitura, ao mesmo tempo que denunciava “o culto, de um snobismo provinciano, da ‘dificuldade’, do ‘aborrecido’.
Nessa obra, escreveu com paixão sobre os autores prediletos da juventude, entre os quais Júlio Dinis, Voltaire, Stendhal, Mark Twain, Roger Martin du Gard, Hemingway ou Steinbeck.
Até ao fim, manteve sérias reservas face ao meio literário indígena, que considerava “um pouco artificial, inautêntico, feito de aparências e poses que sempre me pareceram um bocadinho cómicas e pretensiosas”, afirmou numa entrevista à agência Lusa.
Nos últimos anos reaproximou-se do universo poético, através de três livros (“Poemas em tempo de peste” e “Poemas em tempo guerra suja” e “Soneto, modo de usar”) muito marcados por meditações de pendor existencial. “O infinito olhará o finito? / Que sentido faz o imenso universo / preocupar-se com terreno grito?”, escreve num dos sonetos da sua derradeira obra.