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24 de junho é dia de São João, o mais nortenho dos santos populares, que une tantas comunidades a Norte (e na Galiza, com o San Xoán), numa festividade de rua, bairro a bairro, sem hora marcada, sem classes nem idade, mas com tradições fundas – dos saltos sobre fogueiras aos banhos de mar na madrugada, dos alhos-porros aos raminhos de ervas de bom cheiro – que reencarnam na atualidade rituais e símbolos ancestrais do solstício de verão e do culto da fertilidade e da abundância. É um dos grandes símbolos do Norte, partilhados por milhões de pessoas, intergeracionalmente, que evoca tanto sentido comunitário, quanto devoção e prosperidade. Também por isso Braga avançou com a candidatura a património cultural imaterial do “seu” São João, com o encorajamento expresso da CCDR Norte.
Mas 24 de junho é também dia da Batalha de São Mamede, em Guimarães, o histórico e, simultaneamente, mítico confronto que opôs Afonso Henriques e a sua mãe, D. Teresa, e as tropas dos barões portucalenses às do conde Fernão Peres de Trava. É um símbolo maior da vontade de autodeterminação e de independência de um povo, constituído antes de mais por uma “consciência de si”. Não se tratava apenas de um projeto pessoal, e muito menos de um ajuste de contas doméstico, mas de uma conceção política de conferir autonomia a um destino coletivo, num futuro duradouro, e no concerto dos reinos peninsulares e europeus. Ainda ontem celebrámos esta efeméride e o seu significado em Guimarães.
O que ambas as celebrações significam excedem sentidos históricos presos ao passado ou mitológicos difusos. O São João e a Batalha de São Mamede exprimem o caráter do Norte, ainda hoje: o carácter popular da sua consciência cultural (muito pouco moldada por elites ou dirigismos) e o sentido livre, comunitário e de futuro do nosso modo de vida. A liberdade e a prosperidade interessam, tanto quanto o próximo, o vizinho ou, mesmo, o estrangeiro. Os primeiros não existem sem os segundos. A identidade é algo coesivo, partilhável, vivo. Essa cultura faz-nos mais fortes e mais ricos, num Mundo à beira da desagregação e do caos.

