A polícia belga está a fazer buscas em várias moradas, esta quinta-feira, no âmbito de uma investigação sobre alegada corrupção "sob o pretexto de lóbi comercial" da Huawei. As buscas estendem-se à região de Bruxelas, Flandres, Valónia e também a Portugal. Várias pessoas foram detidas.
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"Vários indivíduos foram detidos para interrogatório em ligação com o seu alegado envolvimento em corrupção ativa", disse o Ministério Público Federal, acrescentando que também foi realizada uma busca em Portugal.
"A suposta corrupção terá ocorrido em benefício da empresa Huawei", oficializou o Ministério Público Federal, confirmando a notícia do jornal belga "Le Soir", que adiantou que a investigação estava ligada à gigante tecnológica chinesa e às suas atividades em Bruxelas desde 2021. Numa operação com o nome de código "Geração", cerca de 100 agentes, liderados por investigadores do Gabinete Central de Repressão da Corrupção (OCRC), fizeram buscas a casas e escritórios de vários lobistas que trabalharam ou ainda trabalham para a Huawei, como parte de um caso aberto por acusações de "corrupção", "falsificação e uso de documentos falsos", "lavagem de dinheiro" e "organização criminosa".
O mesmo jornal adianta que foram detidos vários lobistas suspeitos de terem subornado atuais ou antigos eurodeputados para promover a política comercial da empresa na Europa. Segundo o procurador público, "um suspeito foi preso em França após o mandado de prisão europeu emitido contra ele". Os detidos serão interrogados e, possivelmente, posteriormente apresentados ao juiz de instrução.
No entanto, segundo o jornal, o principal alvo da investigação será Valerio Ottati, de 41 anos, diretor de relações públicas do escritório da Huawei na União Europeia desde 2019.
"Ele foi contratado pelos seus contactos", disse uma fonte que pediu anonimato ao meio de comunicação de investigação "Follow The Money". “Ele organizou muitas reuniões com eurodeputados e pôde convidar pessoas para eventos".
O Ministério Público Federal suspeita que "convites para eventos" eram a parte legal das operações de relações públicas iniciadas pelo funcionário da Huawei e os seus possíveis cúmplices. Segundo o mesmo jornal, a suposta corrupção terá assumido a forma de oferta de objetos de valor, incluindo smartphones Huawei, bilhetes para jogos de futebol (a Huawei possui um camarote no estádio Constant Vanden Stock, na periferia de Bruxelas e conhecido como Lotto Park, casa do Anderlecht) ou transferências de alguns milhares de euros. De acordo com o código de conduta dos eurodeputados, qualquer presente oferecido por terceiros no valor superior a 150 euros deve ser declarado e listado publicamente no registo de presentes.
"A corrupção teria sido praticada de forma regular e muito discreta desde 2021 até os dias atuais, sob o pretexto de lóbi comercial e assumindo diversas formas, como remuneração por cargos políticos ou mesmo presentes excessivos, como alimentação e despesas de viagem, ou mesmo convites regulares para jogos de futebol", confirmou o Ministério Público Federal, acrescentando que os atos tinham "o objetivo de promover interesses comerciais puramente privados".
Empresa portuguesa estará envolvida em esquema
Já as transferências para um ou mais deputados europeus terão sido feitas através de uma empresa portuguesa. "Os benefícios financeiros vinculados à suposta corrupção foram possivelmente misturados a fluxos financeiros vinculados ao pagamento de despesas de conferências e pagos a diversos intermediários, com o objetivo de ocultar a sua natureza ilícita ou permitir que os perpetradores escapassem das consequências dos seus atos. Sob esse ponto de vista, a investigação também procura detetar elementos de lavagem de dinheiro, quando for o caso", acrescenta o Ministério Público Federal.
Contactada pela Lusa, a Procuradoria-Geral da República (PGR) confirmou a realização de buscas em Portugal no âmbito da investigação das autoridades belgas. "Confirma-se a realização de buscas no âmbito de uma DEI (Decisão Europeia de Investigação) emitida pelas autoridades belgas", refere fonte oficial do organismo liderado por Amadeu Guerra. A DEI foi cumprida pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) do Ministério Público, com a coadjuvação da Polícia Judiciária (PJ), que também confirmou estar a colaborar com as autoridades belgas.
Os investigadores têm suspeitas concretas de corrupção que envolvem atuais ou antigos representantes eleitos de vários partidos políticos e cerca de 15 ex-eurodeputados. Porém, nenhum eurodeputado foi ainda identificado.
Durante as buscas, os agentes "apreenderam vários documentos e objetos, que serão cuidadosamente analisados".
A "Euronews" adianta que o Parlamento Europeu não foi alvo de buscas. No entanto, a Procuradoria indicou que agentes judiciais lacraram os gabinetes de dois assessores parlamentares. Numa breve reação, a entidade disse que "toma nota das informações" e acrescentou que "quando necessário, coopera totalmente com as autoridades judiciais".
Comissão Europeia recorda restrição aplicada à Huawei
Por sua vez, a Comissão Europeia não comentou o caso, mas lembrou a restrição aplicada à empresa nas redes de quinta geração (5G). “Não temos rigorosamente nenhum comentário a fazer sobre esta investigação. Permitam-me, no entanto, recordar que a segurança das nossas redes 5G é obviamente crucial para a nossa economia e é por isso que, na nossa comunicação de 2023, a Comissão avaliou que a Huawei representa riscos materialmente mais elevados do que outros fornecedores”, disse o porta-voz da instituição para a soberania tecnológica, Thomas Regnier, na conferência de imprensa diária do executivo comunitário. “É por isso que a Comissão considera que os Estados-membros podem adotar decisões que restrinjam ou excluam a Huawei das suas redes 5G. Isto estaria em linha com a nossa caixa de ferramentas para o 5G. Agora, instamos todos os Estados-membros a tomar medidas porque a falta de ação rápida exporia a UE como um todo a um risco claro”, alertou ainda o responsável.
Já a Transparência Internacional (TI) acusou o Parlamento Europeu de ter adotado “medidas cosméticas” para combater a corrupção. “As novas alegações de suborno hoje divulgadas no Parlamento Europeu mostram como este não conseguiu retirar quaisquer lições significativas dos seus anteriores escândalos de corrupção”, referiu a TI, em comunicado.
O movimento global que trabalha em mais de 100 países para acabar com a injustiça da corrupção acrescentou ainda que os eurodeputados “em vez de optarem por uma mudança significativa” adotaram, após o escândalo de corrupção Catargate, ”reformas fracas e cosméticas que não conseguem evitar novos casos de corrupção”, considerando que esta nova suspeita “não é, portanto, uma surpresa”.
A investigação surge depois de o Parlamento Europeu ter enfrentado grande escrutínio sobre a influência de estados estrangeiros na tomada de decisões da União Europeia num escândalo chamado "Catargate", que eclodiu em dezembro de 2022, quando o estado do Golfo foi acusado de ter tentado influenciar Bruxelas e o Parlamento Europeu em particular através de subornos e presentes usando organizações intermediárias.