Bom conselheiro, adepto dos White Sox e fã de jogos como o "Wordle", Leão XIV era, até quinta-feira à tarde, uma "pessoa vulgar". Até viu o filme "Conclave", para saber "como se deveria comportar" antes da reunião da qual sairia como Papa sucessor de Francisco, título que nunca pensou ter.
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Na quinta-feira, Robert Prevost, nascido a 14 de setembro de 1955, em Chicago, filho de pais descendentes de franceses, italianos e espanhóis, foi eleito Papa Leão XIV pelo conclave no Vaticano à quarta votação. A eleição de um Papa norte-americano era vista como improvável e a notícia foi uma surpresa para os católicos da região, incluindo os seus irmãos, Louis e John Prevost.
"Não tive um momento para pensar sobre isso. Mas é totalmente irreal, totalmente surreal, e é algo tremendo de assimilar, mas é algo de que se pode orgulhar muito", disse John Prevost, irmão do meio, em entrevista à "NBC".
Telefonou à sobrinha e viram com espanto ser anunciado o nome de Robert Prevost. “Ela começou a gritar porque era o tio dela e eu estava num momento de descrença de que isto não podia ser possível porque estava muito longe do que pensávamos que ia acontecer”, disse John, em declarações à agência de notícias Associated Press (AP).
Já à "ABC News", Louis Prevost, o mais velho dos três irmãos, não se sentia bem e estava deitado na cama, na sua casa na Florida, quando chegou o grande momento. "Começaram a ler o nome dele, e quando ele disse 'blá, blá, blá, Roberto', soube logo: era o Rob", contou. "Fiquei grato por ainda estar deitado na cama, porque podia ter caído". Depois, levantou-se da cama e começou a "dançar como um idiota". "É simplesmente incrível", disse. "De repente, estou completamente acordado e a sentir-me maravilhoso."
John falou com o irmão pouco antes do conclave e ambos jogaram desafios de palavras como "Wordle" e "Words with Friends" juntos. "É algo para lhe tirar a mente da vida no mundo real", explicou.
O irmão revelou também que o Papa viu o filme "Conclave" antes de ser fechado na Capela Sistina para a eleição, para que "soubesse como se comportar". "Eu queria distraí-lo, fazê-lo rir de alguma coisa, porque agora isso é uma responsabilidade incrível", continuou.
Quanto à possibilidade de prever o resultado de quinta-feira, John disse ter um "pequeno pressentimento" de que o irmão se tornaria o primeiro Papa norte-americano. O próprio Papa Leão, porém, estava na dúvida. "Ele não achava. Eu achava mais ou menos, porque, pelo que lia e ouvia, havia três candidatos excecionais que ficaram em primeiro, segundo e terceiro lugares. O cardeal das Filipinas, o Secretário de Estado e ele", referiu.
Ainda assim, mantiveram-se céticos: "Não acreditei e o Rob também não. Devo dizer que o Papa Leão não acreditou nada, porque a atitude era de que não haveria um Papa americano".
Infância "normal" em Chicago
Na mesma entrevista à "NBC", John falou sobre a sua infância, com os dois irmãos, que cresceram no subúrbio a sul de Dolton. "Todos nós crescemos em Dolton. Penso que foi uma infância normal", recordou.
Em criança, era muito bom aluno em miúdo e gostava de jogar à apanhada, "Monopólio" e "Risco". Louis contou que, por outro lado, enquanto ele brincava com "arcos e flechas", Leão XIV fingia "ser padre" e "perguntava se lhe podia dar a comunhão" com bolachas. Segundo John, "a tábua de engomar fazia de altar". "Nós brincámos e dizíamos que ele ia ser Papa", continuou Louis.
John revelou também que Leão XIV é adepto dos White Sox. "É uma pessoa comum e vulgar", afirmou. Já Louis descreveu o irmão como uma pessoa "terra a terra", com bom sentido de humor e "inteligente como um leão".
O Papa desviar-se-ia do caminho de uma infância normal depois do oitavo ano, quando foi para o Seminário Agostiniano. Licenciou-se ainda em matemática pela Universidade Villanova, de Filadélfia. Quando estava na faculdade, tinha um emprego em part-time como zelador de um dos cemitérios da paróquia da cidade. Apesar de ser o mais novo dos três irmãos, era o Papa Leão que frequentemente lhes dava conselhos.
Sobre os pais, John disse que teriam um orgulho enorme, mas não conseguiram acompanhar muito do seu percurso de padre a chefe da Igreja Católica. "Acho que ficariam sem palavras. Acho que ficariam extremamente orgulhosos. Só o viram ser padre. Nunca viram o bispo, nunca viram o cardeal, mas foram visitá-lo nas missões no Peru", revelou.
Até agora, os irmãos John e Robert falavam ao telefone todos os dias, sobre todos os temas, desde a política à religião.
Apaixonado pelo Peru e por ceviche
O Papa Leão, também cidadão peruano depois de lá viver durante mais de 20 anos, é o segundo Papa com laços significativos com a América Latina, depois do Papa Francisco, natural da Argentina.
Segundo John, o serviço missionário do Papa foi um "chamado desde muito jovem". "Acho que ele já sabia, desde o primeiro ano, que seria padre. E não havia dúvidas na cabeça de ninguém. Acho que a pergunta que os nossos pais tinham era: seria padre diocesano e trabalharia numa paróquia, ou seria padre de uma ordem religiosa? E ele escolheu a ordem agostiniana", disse.
O pontífice norte-americano Robert Prevost ingressou na ordem agostiniana no Peru em 1985 e obteve a nacionalidade peruana em 2015. No início da sua carreira no país, o Papa foi missionário na cidade de Chulucanas, acabado de sair da universidade nos Estados Unidos. Daí, mudou-se para a cidade costeira de Trujillo, onde ajudou a fundar um seminário agostiniano, antes de ir para a cidade de Chiclayo, onde foi ordenado bispo em 2015.
Já Edison Farfan, seu sucessor como bispo da cidade de Chiclayo, afirmou que Leão XIV se apaixonou pelo Peru e pelo seu prato típico de marisco cru, o ceviche. "Ele adorava cabra, pato com arroz e ceviche, estes eram os seus pratos favoritos", contou, em conferência de imprensa. Leão XIV dedicou "toda a sua vida à missão no Peru", continuou Farfan, acrescentando que o novo pontífice, tal como o seu antecessor argentino Francisco, era particularmente motivado pela pobreza e pelas pessoas que viviam na "periferia" da sociedade.
De acordo com o irmão Louis, Leão XIV adorava o seu trabalho como missionário e estar com as pessoas. "Estava sempre a tentar ajudar as pessoas a construir igrejas e escolas", contou.
Por isso, John espera que o irmão siga os passos do Papa Francisco como uma voz para os desfavorecidos e pobres. "Acho que eram muito parecidos. Penso que, como ambos estiveram na América do Sul ao mesmo tempo — no Peru e na Argentina —, tiveram as mesmas experiências a trabalhar com missões e com os oprimidos", rematou.