A imagem que esta semana nos chegou pela televisão de um homem imigrante a não conter o choro, quando confrontava o líder da extrema-direita em Portugal e o séquito que lhe segue os passos e beija os pés, é dilacerante. Iqbalh Hossain, de 33 anos, natural do Bangladesh, a viver cá no país há três, interrompeu uma ação de campanha na Póvoa de Varzim para denunciar a situação precária dos pescadores indonésios no concelho, onde, à falta de mão de obra nacional, a pesca vive de imigrantes - já lá vamos. Perante o aparente descrédito recebido por parte daqueles a quem se dirigia, Iqbalh acabou a falar da crescente hostilidade contra estrangeiros, que o motivou a mandar a filha de dois anos, nascida em Portugal, para fora.
Chorou a dizer e repetir que está muito triste, que faz "tudo direitinho", que tem visto de residência e que, embora cumpra a lei, é atacado por ser imigrante, apontando à narrativa "racista" dos mal-aventurados. Os mesmos que seriam apanhados, horas mais tarde, a manipular vídeos na Internet para invalidar o discurso de Iqbalh, fabricando as ideias de que estaria a mentir e que teria sido ali plantado pela oposição. E os mesmos que, no momento em que Iqbalh denunciava xenofobia, lhe davam razão às queixas. "Trabalho nas estufas, a cortar cravos", disse. "Viva Portugal, pá! Parem de lhe dar palco. Ainda há portugueses em Portugal!", responderam-lhe. A ironia... O homem cuida da flor que é o símbolo maior da revolução, da liberdade e da democracia, e que, nos dias especiais, é empunhada pelo povo e exibida nas lapelas da Esquerda à Direita no Parlamento, para ouvir clamores nacionalistas de quem julga ser o guardião supremo da nação.
O palco deste episódio desconcertante foi a cidade da Póvoa de Varzim, uma das maiores comunidades piscatórias do país, onde, em março de 2023, os indonésios (com vistos de residência e contratos de trabalho, mas sem cédula marítima reconhecida em Portugal) representavam 75% da tripulação, reportava, na altura, o JN. Mais de um ano depois, a situação agravou-se, com o aperto da fiscalização a ameaçar paralisar a pesca e a deixar revoltados os homens do mar, que garantem que 90% da frota não tem autorização para pescar.
A pesca, como a agricultura, é exemplo de um setor económico que, sem mão de obra estrangeira, arriscaria colapsar. Essenciais em alguns mercados de trabalho, os imigrantes procuram Portugal porque Portugal os procura. O último relatório anual do Observatório das Migrações, divulgado em dezembro de 2023, é claro: com taxas de atividade muito superiores às dos cidadãos nacionais, os estrangeiros contribuíram com mais de 1800 milhões euros para a Segurança Social em 2022, sete vezes mais do que aquilo que dela recebem. Não são só importantes para a economia, são essenciais para o Estado Social, que nos paga, a todos, os apoios, os subsídios, as reformas.
Iqbalh merecia mais deste país. E mereciam também mais os cerca de 20 imigrantes indostânicos que vivem amontoados em beliches, numa cave de um bazar na Rua de Camões, no centro do Porto, e pela qual pagam entre 150 a 200 euros por mês cada um, noticiou o JN na manchete de domingo. Fosse Camões vivo e tapava o outro olho para não ver.

