Companhia de teatro do Porto comemora os seus 50 anos, mais os 50 anos do 25 de Abril, com estreias e "ajudas inesperadas", diz ao JN o encenador Jorge Castro Guedes.
Corpo do artigo
Às vezes, o amparo chega de onde menos se espera. Nas vésperas de cumprir 50 anos, a companhia teatral Seiva Trupe viu-se excluída dos apoios quadrienais da Direção Geral das Artes (DGArtes). Tinha uma candidatura elegível, classificada com 73%, mas a bater na linha de corte e ficou sem subsídio. Avançou com uma providência cautelar perante um concurso de apoios sustentados que ficaria marcado pela polémica.
Ainda sem resposta para os apoios pontuais a que se candidatou, a Seiva Trupe ficou com a meta do final de 2024 para tornar a concorrer aos subsídios estatais.
Frente a frente com a possibilidade do fim, “os três mebros da direção da Seiva Trupe começaram a trabalhar em regime de voluntariado e dispensaram outras três pessoas”, revela ao JN Jorge Castro Guedes, encenador. Feitas as contas foram dispensados seis trabalhadores.
As ajudas inesperadas
O primeiro auxílio foi quase uma intervenção divina, recorda Castro Guedes: "Uma encomenda da Comissão Diocesana do Porto para a Jornada Mundial da Juventude, com o espetáculo 'Temos mãe, temos Maria'”.
A segunda das "ajudas inesperadas" chegou do Teatro Nacional São João, com “O canto do cisne”, uma encenação de Nuno Cardoso para o ator Júlio Cardoso. "Foi uma coprodução com condições altamente favoráveis para a Seiva Trupe”, detalha Castro Guedes.
Curiosamente, a Seiva Trupe tinha-se candidatado a um outro concurso da Comissão de Comemoração dos 50 anos do 25 de abril com a DGArtes: "Fomos os terceiros classificados com uma pontuação de 94.3%, o que viabilizou a produção de uma peça para a efeméride da Liberdade".
Jorge Castro Guedes continua: “De súbito, recebi um email, era um convite de Pedro Adão e Silva feito às companhias matriciais que ainda existem (TEP, TEC, Barraca, Comuna e Seiva Trupe) para um projeto para o 25 de Abril. Não era um concurso, era um convite direto no valor de 55 mil euros”, comenta, ainda com espanto, o encenador. Esse convite resulta num segundo espetáculo sobre a efeméride que se chamará “O coro das águas” e que tem estreia prevista para 2025.
“Isto permitiu-nos estar vivos e dá-nos alguma expectativa. Ainda que mesmo com as duas produções apoiadas não cheguemos ao valor que teríamos com o subsídio da DGArtes”, detalha Castro Guedes.
Nova peça estreia esta quinta-feira
A primeira nova produção da Seiva Trupe a estrear é, já esta quinta-feira, “Uma noite de solidão no capim”, que estará em cena até dia 27 - o Dia Mundial do Teatro - na Sala Estúdio Perpétuo, no Porto. O texto original escrito por Jorge Castro Guedes conta com a interpretação de Fernando André e Óscar Branco.
“Outro dia ocorreu-me fazer as contas e percebi que há 37 anos que não faço um texto dramático”, conta ao JN o ator Óscar Branco. A sua carreira tem estado assente em papéis avulsos e produções cómicas ou de stand-up comedy.
“Era o único a fazer isto no Porto. A última vez que trabalhei com a Seiva Trupe foi nas bodas de prata, quando eles fizeram 25 anos, com peça 'Porto de século', mas esse era também um papel cómico”, comenta Óscar Branco.
E, não segurando a piada, diz que está “sempre presente nas festas, vim para as bodas de prata e agora para as bodas de ouro”.
Nestas bodas de ouro, Branco desempenha o papel de um Flecha, grupo guerrilheiro africano dependente da Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE), constituído para atuar em Angola, no contexto da Guerra do Ultramar.
Peça vai seguir em digressão
A produção pretende demonstrar, de um ponto de vista humanista, como podem dois homens que se encontram sós em situações adversas criar uma relação de amizade.
O primeiro passo é o de se assegurarem que nenhum vai matar o outro. E que nenhum está a recorrer à manipulação. Os diálogos são densos - "Ganha a guerra quem mata mais” - e desmistificam-se aqui certas crenças, como “quando uma lágrima de uma mãe cai sobre a terra, esta fica abençoada”, provando que dos dois lados do conflito existiam sentimentos válidos e onde a figura da mãe é sempre omnipresente.
Depois do Porto, “Uma noite de solidão no capim” irá passar por várias cidades portuguesas. A primeira é Santa Maria da Feira (19 de abril, Cineteatro António Lamoso), seguindo-se Freamunde (26 e 27 Abril, Auditório da Junta de Freguesia de Carvalhosa e Salão Paroquial de Freamunde), Caldas da Rainha (17 e 18 Maio, Centro Cultural e de Congressos de Caldas da Rainha) e Vila Praia de Âncora (28 Setembro, Cineteatro Bombeiros de Vila Praia de Âncora).