A imigração ergue-se como tema central dos primeiros debates para as eleições europeias, ainda mornos e com candidatos em apalpação, como se - saídos de eleições há tão pouco tempo, com um Governo há tão poucos dias e com um futuro de tão poucas certezas - o muito que terão para dar esteja guardado para quando perceberem melhor que país é este que vai novamente a votos. Problema maior é que as eleições estão à porta e não resta muito tempo para revelar franqueza e lucidez. Na realidade, só Sebastião Bugalho parece estar a dar tudo, impositivo, zero surpresas após o anúncio surpresa. O capital de aprovação ou rejeição que o voto traduzirá a 9 de Junho muito dirá sobre a actual aproximação do eleitorado ao personalismo.
A Europa está a escolher encolher-se. Quinze países da União Europeia não resistem a propor o envio de imigrantes requerentes de asilo para países terceiros, no âmbito de medidas que procurem conter a imigração de pele escura ou não branca. A hostilização é evidente e, mesmo em Portugal, o episódio de crime de ódio no Porto não acontece por acaso quando se percebe que, na Assembleia Municipal da cidade, o Chega não votou favoravelmente à condenação do sucedido. Uma criança nepalesa de nove anos foi agredida numa escola da Amadora e a reacção de Marcelo Rebelo de Sousa é um conjunto de divagações genéricas sem um pingo de condenação. A reparação faz-se no tempo. É difícil compreender como o presidente da República manifesta tamanha atenção pelo que sucedeu há 500 anos e tão grande incapacidade para olhar para o que acontece no presente.
O inquérito tutelar educativo e o inquérito-crime abertos pela Procuradoria-Geral da República confirmam que o caso de agressão à criança nepalesa ainda está envolto em muitas dúvidas e omissões. Tanto na Escola, como na PSP ou no Centro Padre Alves Correia - que agora fala num exercício de “memória” - tudo é inexactidão. As motivações racistas e xenófobas ainda não estão clarificadas mas o que mais incomoda é o facto terem passado dois meses sem que ninguém tenha relatado o que quer que seja, sem que ninguém tenha apresentado queixa, e que tenha sido a mãe, com medo de ir ao hospital, a tratar das suas feridas abertas. Há muito por fazer e uma delas é destruir o silêncio sobre os abusos e a violência.
(O autor escreve segundo a antiga ortografia)

