Surtos ativos, fluxos migratórios, mais rastreios e possíveis atrasos de notificação entre as explicações. Hepatites virais atingem mais os homens, revelam os mais recentes dados do Programa Nacional para as Hepatites Virais.
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Os casos confirmados de hepatites A, B e C mantêm tendência significativamente crescente, com preponderância no sexo masculino. Se no caso da hepatite A os surtos ativos explicam que o número de casos tenha multiplicado por oito no ano passado face a 2023, no caso da B (+51%) poderá haver uma relação com os movimentos migratórios. Na hepatite C a subida é de 144%, podendo não se tratar de um aumento real devido a atrasos de notificação. Dados que impõem um reforço no investimento em testes de rastreio. Porque, como alerta o diretor do Programa Nacional para as Hepatites Virais (PNHV), os casos de cancro do aparelho digestivo vão aumentar nos próximos anos.
No que concerne à hepatite A, e como o JN escreveu recentemente, Portugal tem neste momento dois surtos ativos: um em contexto de transmissão sexual e outro no Sul do país entre crianças associado a condições deficitárias de salubridade. Se no ano passado contabilizaram-se 319 casos (80%) em homens, contra 40 em 2023, no ano em curso e até 31 de maio contavam-se já 504. Deste total, um quarto foi em contexto sexual, concretamente, como alertou há um mês o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças, entre homens que fazem sexo com homens. No relatório do PNHV 2024 ontem apresentado, a taxa de notificação da hepatite A passou de 0,4 por 100 mil habitantes para 3/100 mil no ano passado.
Analisando agora os dados para a hepatite B, além do aumento de 51% para um total de 271 casos (54% no sexo masculino), “estes valores são inclusivamente superiores aos valores anteriores à pandemia covid-19”, lê-se no documento. Merecendo, notam os autores, atenção, “pois apesar de se poderem relacionar com o potencial aumento de consciencialização para a importância do rastreio de hepatites e com uma maior literacia (...), também pode estar relacionado com o aumento do número de casos de hepatite B a nível europeu e com movimentos migratórios de pessoas oriundas de países” onde a doença é endémica e a cobertura vacinal baixa. Por cá, a taxa média está nos 98,6% para a primeira e terceira doses, acima da meta da OMS.
Já os dados da hepatite C têm que ser lidos com cuidado devido a uma quebra de série na sequência de alterações metodológicas e a eventuais atrasos de notificação de anos anteriores. No ano passado, foram confirmados 572 casos (76% em homens), contra 234 em 2023. Sendo ainda destacar que entre a data do pedido de submissão e o início do tratamento decorreu, no período 2023-2024, um tempo médio de 77,4 dias. Uma redução de 40% face a 2017-2022, mesmo assim, avisam os peritos, um “tempo ainda excessivo e acima de tudo com marcadas assimetrias a nível nacional”.
Quanto à eficácia dos tratamentos da hepatite C, o relatório agora conhecido aponta “elevadas proporções de cura, superiores a 96%, aumentando para 98,5% na população reclusa”.
Diretor do programa alerta: cancros do aparelho digestivo vão aumentar
O diretor do Programa Nacional para as Hepatites Virais, Rui Tato Marinho, alertou, esta quarta-feira, que “a população e os políticos têm de estar preparados” para o aumento “em 10/15 anos” dos cancros do aparelho digestivo. “Há três cancros do aparelho digestivo [pâncreas, fígado e vias biliares] que aconteça o que acontecer vão aumentar e a população e os políticos têm de estar preparados para isso. Somos especialistas do aparelho digestivo e do fígado, temos previsões nacionais e internacionais, vão aumentar independentemente do que possamos fazer”, disse citado pela Lusa. Defendendo que sejam feitos mais testes e implementados mais rastreios, valorizando o papel dos Cuidados de Saúde Primários e o das organizações de comunidade no terreno.