Qualquer semelhança com a ficção não é pura coincidência. Pelo contrário, a responsabilidade é evidente. Todo o contexto de incêndio tem mão humana, um fogo que começou a arder com Luís Montenegro mas que agora contamina qualquer posição política autárquica ou presidencial, condicionando e antecipando eleições a muitas mãos. A confusão é uma entropia eleitoral que poderá fazer crescer a abstenção no eleitorado do bloco central para níveis superiores e que impeça uma nova visão parlamentar no que diz respeito à distribuição das forças. Mesmo que o Chega possa descer, fruto do descrédito dos escândalos éticos e dos problemas com a justiça de muitos dos seus deputados e militantes, a abstenção à sua esquerda pode encarregar-se de deixar quase tudo como está na correlação de forças, ainda que se inverta a liderança do país.
Mesmo no sopro das notícias, parece haver um outro PSD à espreita. À ingovernabilidade ética de Montenegro comparece todo o partido, num traço de união que se assemelha a um condomínio fechado. Apesar da liderança de Montenegro não ser internamente questionada, há um PSD que não lhe perdoa a cerca sanitária que ergueu à extrema-direita e a fragilidade que assumiu para governar em imensa minoria. A posição de Ventura é a mais clara demonstração do tiro ao homem: só eliminando Montenegro de jogo, comparando-o a José Sócrates, consegue reter demagogicamente o seu eleitorado e contribuir para o regresso de Passos Coelho que não hesitará em dar-lhe a mão da governação. O PSD que agora suporta Montenegro é o mesmo que sabe que tem uma liderança à mão de semear e que conquistará o partido e o país após rejeitar um eventual segundo Orçamento do Estado de Pedro Nuno Santos. O PSD que está à espreita sabe esperar, finge a união à volta do líder porque sabe que perder agora, não sendo ideal, não deixa de ser uma boa opção para uma maioria futura e próxima.
O encontro de meia hora entre Carlos Moedas e André Ventura, após a reunião do Conselho de Estado, diz muito sobre o estado a que a luta política chegou. Enquanto Ventura apelida Montenegro de corrupto, o presidente da Câmara da maior autarquia ganha pelo PSD reúne-se com o acusador para falar sobre a sua corrida autárquica em Lisboa e sobre a situação geral do país. Não há nenhum protagonista político, muito menos nenhum candidato ao que quer que seja, que não esteja obrigado a misturar legislativas, autárquicas e presidenciais no mesmo discurso ou caminho. Mas com quem decide fechar-se numa sala a conversar já está no âmbito das escolhas de quem espera.

