Funcionários são insuficientes para fazer face à afluência que se tem sentido no Porto e em Lisboa. Há pessoas a dormir na rua há mais de dois dias para conseguirem a documentação. Em causa está a verificação do registo criminal, que até fevereiro não era necessária para imigrantes oriundos de países da CPLP.
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A fila perde-se ao longo da Rua do Rosário, no Porto. São centenas de imigrantes que desesperam há dias pela validação dos seus documentos. Dia e noite, não desertam da porta da Direção-Geral dos Assuntos Consulares para conseguirem uma das duas centenas de senhas distribuídas ao início da manhã. Trabalham e estudam, muitos deles estão em Portugal há vários anos, mas continuam a esbarrar à porta na hora de regularizar a documentação. Em causa está a verificação manual do registo criminal, que até fevereiro não era necessária para os imigrantes oriundos de países de língua portuguesa. O encerramento das instalações da Direção-Geral dos Assuntos Consulares, em Lisboa, na sequência da operação da PJ de combate à imigração ilegal, está a agudizar o problema.
Para Anil Ranabbat, nepalês, é o terceiro dia de espera e uma noite ao relento. Está cansado e com medo. Tem de “tratar da documentação”, mas está com receio de ser despedido. Há cinco anos em Portugal, trabalha num restaurante e o patrão não percebe a sua ausência. “Estão aqui pessoas do Algarve, da Madeira e de Lisboa, mas só distribuem 200 senhas por dia e na fila estão mais de 500 pessoas. Deviam existir mais funcionários”, conta ao JN num português arranhado. Anil tem marcação na Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) na próxima semana e até lá espera conseguir o “carimbo no registo criminal”, caso contrário o processo de legalização não é validado.
No início da fila está Ulda Charlene, do Gabão, que vive em Coimbra e trabalha em Aveiro. Está visivelmente cansada, sentada no chão e sem forças. Não consegue ser atendida e “não tem uma justificação para entregar no trabalho”. É a segunda noite que passa na rua, mas não desiste.
A Direção-Geral dos Assuntos Consulares é o único sítio onde estes imigrantes conseguem realizar a verificação do registo criminal, que até fevereiro não era obrigatório para imigrantes de países de língua portuguesa. O Governo fala de 120 157 pessoas nesta situação que estão agora a ser notificadas pela AIMA.
Atentado à dignidade
Sansão Gonçalo, 29 anos, perdeu a oportunidade de ter uma senha depois de duas noites a dormir na rua porque foi fazer um exame. O angolano, que está em Portugal há cinco anos, estuda Teologia na Universidade Católica do Porto e é educador no colégio Salesianos. “Tenho o registo criminal angolano e só falta o reconhecimento dos serviços portugueses. Esta espera é um atentado à dignidade da pessoa humana. Faço tanto esforço para estar legal, trabalhar, estudar, servir esta nação e não consigo”, refere.
Já tem o bilhete para Lisboa onde tem marcação na AIMA para apresentar o documento, mas, para já, a única coisa que consegue antecipar é mais uma noite na rua. “Angola e Portugal são irmãos, temos uma história, há muitos portugueses em Angola, eu falo português graças à presença dos portugueses no meu país e não percebo o porquê que tenho de passar por estas humilhações”, acrescenta.
Na fila ordeira e sem barulho, veem-se pessoas com guardas chuvas para proteger do sol, outras com crianças ao colo e a estranheza de quem não fica indiferente ao deparar-se com aquele cenário. Os lojistas dizem que a situação é “desumana”, mas começam a sentir no negócio. “Estou a perder clientes, primeiro foram as obras do metro e agora estas filas na rua. Eles estão aqui a dormir à noite, é inconcebível”, reconhece Madalena Lira, proprietária da loja Lira.
Delegação encerrou em Lisboa e imigrantes rumaram ao Porto
Entre as explicações para este problema está o encerramento das instalações da Direção-Geral dos Assuntos Consulares, em Lisboa, na sequência da operação da PJ batizada como “Gambérria”. O serviço já foi reposto na capital, mas centenas de imigrantes acorreram ao Porto para conseguirem autenticar o registo criminal dentro do prazo estabelecido pela AIMA. Ao JN, o Ministério dos Negócios Estrangeiros adiantou que o horário de atendimento destes serviços foi alargado das 9 horas até 16 horas. Ao mesmo tempo, também foi reforçado com mais meios humanos.
Além disso, o Governo revogou em fevereiro o regime que permitia a entrada de imigrantes oriundos de países de língua portuguesa sem a verificação do registo criminal, estando agora a ser notificados pela AIMA para regularizarem a situação. A autenticação deste documento já era obrigatória para as outras nacionalidades.