Imediato como qualquer fogo de artifício, o lastro das eleições europeias desapareceu no dia seguinte ao voto, desvanecendo-se em mais uma vitória por empate técnico, mais uma derrota que não deslustra, mais um conjunto de forças partidárias que não ganha mas não perde, por quem suba em percentagem mas não elege (com alguma felicidade interna), por quem se compare ao espelho há cinco anos para ganhar, crescendo em sentimento de vitória, mas também com a imagem criada há quatro meses para perder por muito. Feito o rescaldo às contas, tudo mudou “poucochinho”. Talvez que por isso, por não ter surgido nenhuma zona de impacto, tenha a vida política seguido em frente sem perder um dia mais sequer com a artificialidade conjuntural que foi sendo trilhada no último mês, à laia de tirocínio para contar cartuchos nacionais.
Se as maiorias relativas são as novas formas de governar absolutamente, as autorizações legislativas são os seus instrumentos de domínio. A vontade que o Governo tem demonstrado de querer acelerar em velocidade, contornando a pista dos decretos-leis, diz muito sobre a necessidade que tem de prestar provas em curto espaço de tempo e crescer em capacidade executiva a ainda incipiente capacidade política demonstrada. Fazer, no fundo, poder governar. Se parece haver uma espécie de “irritante legislativo” na acção do Governo, profuso e incansável em vários diplomas e dossiês, é também na percepção de uma oposição irritada que se pode encontrar a pedra de toque que crie um clima que obrigue à aprovação do Orçamento de Estado ou à vitimização que o aproxime do sentimento mais do que evidente nos portugueses, apostados em evitar crises políticas.
O PSD está preso em atalhos e está obrigado a governar com eles para ser bem-sucedido. A impossibilidade democrática não está em jogar com as regras, antes em quebrá-las. O que Luís Montenegro faz, forçando o ritmo e tentando driblar o Parlamento, é a natureza do regime e a natural oposição que um Governo deve erguer à oposição que tem. Para que um dia não apelide a oposição de força de bloqueio, não pode deixar que o tempo perdido na pré-campanha e campanha para as europeias multiplique a sensação de que vivemos um tempo de governação cuja continuidade está permanentemente ameaçada. Como se nada viesse para ficar, como se vivêssemos num tempo de suspensão política que pouco permite aos decisores.
O autor escreve segundo a antiga ortografia

