Talvez nós, enquanto povo, não estejamos assim tão longe do resto do Mundo ao ansiar por uma liderança paternal, à procura de uma referência. Sobretudo quando já se sente o fantasma emocional pós-Marcelo. Agimos um pouco como quem usa da inteligência emocional para antecipar, preparar e curar uma perda que é vagamente familiar. É evidente que vestir ou despir a farda irá ser assunto decisivo na pré-campanha das presidenciais, eleição que já se colocou no calendário político com a força que a fulanização da política tem nos dias de hoje. Não há eleição mais sumarenta e “trendy” que aquela que evoque um culto de personalidade. Os norte-americanos que o digam. Quando a maioria dos eleitores quer mesmo decidir pessoas e já são poucos os que querem escolher ou confiam nos partidos, a decisão presidencial ou legislativa coloca-se ao nível de uma escolha autárquica, onde o voto é tantas vezes exercido por um sentimento de proximidade, fulanização ou de adequação ao caso.
Mudar o guarda-roupa. Não há como esconder o interesse que o almirante Gouveia e Melo tem em despir a farda e seguir o seu percurso político, mesmo que “a democracia não precise de militares”, como afirmou no passado. E é muito curioso que parta à frente em sondagens quando é o único “não-político” a acender uma luz de candidatura, estimulando votantes da Direita à Esquerda, órfãos de uma boa figura com notabilidade, que combine austeridade com a ideia de bom senso e paternalismo q.b. A dificuldade dos partidos é evidente em encontrar alguém que os portugueses entendam ser recto e cuidador.
A profusão de nomes é, assim, quase categórica para cimentar a inexistência de uma alternativa civil ao poder militar: Mário Centeno, Santana Lopes, Augusto Santos Silva, Ana Gomes, António Vitorino, Elisa Ferreira, Marques Mendes, entre outros. Entre os outros estão Paulo Portas, cujo aparecimento poderia mesmo baralhar as contas da Direita e António José Seguro, cujo reaparecimento só poderá ser vencedor se agregar a Esquerda à volta de uma convicção que nunca lhe foi conhecida. Um candidato de Esquerda só poderá vencer perante uma Direita profundamente dividida, colhendo ao centro. Depois será preciso convergências civis para limpar armas, sabendo-se bem que convergência não rima com o nosso tempo político tão polarizado. Mesmo que Luís Montenegro prefira um candidato do seu espaço político e ainda que nenhum partido queira deixar de marcar posição, só uma catástrofe poderá retirar Gouveia e Melo de Belém. Na realidade, a hipótese de uma catástrofe seria ainda um seu maior alento.
O autor escreve segundo a antiga ortografia

