Portugal tem forte presença no Festival de Cinema de Cannes, mas não concorre para a Palma de Ouro, onde há vários cineastas consagrados. Destaques para a nova aventura de "Missão impossível", com Tom Cruise, e os horrores da guerra na Palestina.
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Teve a primeira edição em 1946, depois de um arranque falhado em 1939, devido ao início da Segunda Guerra Mundial. Desde então, só não teve lugar em 2020, primeiro ano da pandemia Covid-19. Atinge agora as 78 edições. O Festival de Cannes continua a ser o evento cinematográfico desde género mais famoso do mundo e a Palma de Ouro o prémio mais desejado. Se os Oscars lhe continuam a ganhar em mediatismo, as três ou quatro horas da emissão de Hollywood nada têm a ver com os 12 dias intensos que começam esta terça-feira na cidade francesa da Côte d’Azur.
O festival arranca ao fim da tarde, com a primeira subida da famosa passadeira vermelha, a anteceder a exibição de “Partir un jour”. Trata-se de uma novidade, já que é a primeira vez na história de Cannes que a abertura é entregue a um primeiro filme, da autoria da francesa Amélie Bonnin, exibido fora de concurso.
São este ano 22 os filmes que concorrem à Palma de Ouro, prémio instituído apenas a partir da edição de 1955. Julia Ducournau, que propõe “Alpha”, poderá repetir a proeza alcançada com “Titane”, enquanto os irmãos Dardenne, que estreiam mundialmente o seu novo filme, “Jeunes mères”, poderão ser os primeiros a vencer por três vezes o troféu.
A concorrência será forte, com os novos filmes de realizadores já consagrados, como Joachim Trier, Lynne Ramsay, Mario Martone, Richard Linklater, Kleber Mendonça Filho, Kelly Reichardt, Wes Anderson, Sergei Loznitsa ou Jafar Panahi, embora sejam muito aguardados também os filmes do outro iraniano a concurso, Saeed Roustaee, do chinês Bi Gan ou da espanhola Carla Simón, já vencedora em Berlim. O júri “capitaneado” por Juliette Binoche terá a última palavra.
Portugueses em várias secções
Ao contrário do que aconteceu o ano passado, quando “Grand tour” valeu a Miguel Gomes o Prémio de Realização, o cinema português não concorre desta vez pela Palma de Ouro. Mas não deixa de ser forte e variada a presença portuguesa, em produção ou coprodução internacional.
A secção Un Certain Regard, que também distribui alguns prémios, tem na sua programação “O riso e a faca”, de Pedro Pinho, que já saiu de Cannes com o Prémio da Crítica com “A fábrica de nada”, exibido então na Quinzena de Cineastas. Na mesma seção, os irmãos palestinianos Arab e Tarzan Nasser mostram “Era uma vez em Gaza”, de novo coproduzidos pela portuguesa Ukbar Filmes e cuja pós-produção de som esteve a ser finalizada até há pouco em Lisboa.
Numa das mais recentes plataformas do festival, a Cannes Premiere, lá estará “Magalhães”, de Lav Diaz. O realizador filipino aborda a figura de Fernão de Magalhães, numa versão reduzida, de duas horas e meia, montada de propósito para Cannes, de um original que poderá chegar às nove horas! Quem terá uma palavra a dizer é a portuguesa Rosa Filmes, que se juntou à produção internacional que montou este projeto.
A seção ACID, que se tem estabelecido aos poucos na exigente grelha de Cannes, juntando-se assim às já há muito validadas Semana da Crítica e Quinzena dos Cineastas, tem um filme genuinamente português: “Entroncamento”, de Pedro Cabeleira, segunda longa-metragem do jovem realizador nascido naquela cidade, depois do prometedor “Verão danado”.
Curtas de Inês Nunes e Gabriel Abrantes
A Palma de Ouro para os mais pequenos, os filmes de curta-metragem, diga-se, poderá vir para dois portugueses, Inês Nunes e Gabriel Abrantes, que aí mostram respetivamente “A solidão dos lagartos” e “Argumentos a favor do amor”.
Também neste formato, mas na CINEF, a seção dedicada a filmes de escola, estará presente a animação de Laura Anahory, “O pássaro de dentro”, produzido pela Escola das Artes da Universidade Católica do Porto.
Nos últimos anos, a Quinzena de Cineastas apresenta a Factory, um programa de curtas-metragens dedicado a uma região específica, com filmes corealizados por cineastas locais e de outros países. Num espaço que já foi ocupado pelo Norte de Portugal, cabe agora ao Ceará, no Brasil, apresentar filmes aí produzidos, sendo que um deles, “A vaqueira, a dançarina e o porco”, é realizado conjuntamente com a brasileira Stella Carneiro e o cineasta transgender português Ary Zara.
Haverá ainda algumas surpresas com presenças portuguesas de destaque nas fichas técnicas e artísticas de outros filmes, como a fotografia de Ruy Poças em “Ciudad sin sueño”, do espanhol Guillermo Garcia López, exibido na Semana da Crítica, ou a presença de Maria de Medeiros no último filme de Tony Gatlif, “Ange”, que faz parte da seleção Cinema na Praia.
Lembrar o horror na Palestina
O festival, que tem muitos outros motivos de interesse, como a anteestreia mundial de “Missão: impossível – O ajuste de contas final”, com a presença em Cannes de Tom Cruise, a estreia na realização das atrizes Scarlett Johansson e Kristen Stewart, com respetivamente “Eleanor the great” e “The chronology of water”, uma conversa de Robert De Niro com o público, e uma Competição Imersiva, que acontece pela segunda vez, tem uma abertura antecipada com a exibição de três filmes dedicados à Ucrânia.
A Palestina, com os seus mais de 50 mil mortos, não foi esquecida pelo festival, embora de forma menos visível. É que Fatma Hossana, jovem fotógrafa que nos seus 24 anos nunca saíra de Gaza, retratando os horrores que o seu território atravessa, é figura central do documentário “Put your soul in your hand and walk”, da realizadora iraniana exilada Sepideh Farsi: foi morta com praticamente toda a sua família por um ataque do exército israelita, apenas 24 horas depois da realizadora lhe anunciar a seleção do filme para a seção ACID.
“O Festival de Cinema de Cannes deseja expressar o seu horror e profunda tristeza por esta tragédia, que comoveu e chocou o mundo inteiro”, afirmou Cannes em comunicado, continuando timidamente: “A sua exibição será, além da mensagem do próprio filme, uma forma de honrar a memória de Fatma Hossana”. A projeção terá lugar já esta quinta-feira e promete ser das mais comoventes de Cannes 2025.