Mediatismo negativo tirou o cigarro da boca dos menores nos dois dias da festa em Vale de Salgueiro. Aldeia preferiu valorizar a distribuição de tremoços e de vinho.
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A Festa dos Reis de Vale de Salgueiro ganhou visibilidade nacional e internacional (com uma reportagem da Associated Press) pela tradição de crianças, excecionalmente, terem permissão dos pais para fumar cigarros, durante os dois dias de festa, mas agora está a tentar focar os holofotes em outras tradições.
Este ano, a acompanhar o Rei da festa já não se viam crianças de cigarro na boca. “Os miúdos também são poucos”, explicou este sábado Carlos Correia, o Rei, preferindo não valorizar este acontecimento sempre muito mediatizado. “Não devemos dramatizar essa questão, porque eu próprio fumava todos os anos nos Reis e só apanhei o vício de fumar aos 18 anos”, acrescenta o presidente da junta, Adérito Teixeira.
António Vieira, já com mais de 70 anos, não vê qualquer maldade na tradição “Desde criança, íamos roubar azeitona aos nossos avós para vender na taberna para termos dinheiro e comprar os cigarros. Mas, era só nos dois dias”, afirma.
É um ato “simbólico que não pode ser visto de forma literal, porque trata-se de algo semelhante aos levantamentos de outras proibições que se fazem nesta época de Inverno, como no Carnaval, no qual tantas atitudes mal vistas socialmente passam, de forma excecional, a ser permitidas”, refere José Ribeirinha, autor do livro “Terra de Reis” dedicado a esta festa.
“Encharca o Fole”
Este sábado, às 8 horas, a temperatura andava pelos zero graus, mas nem o frio inibiu a população de cumprir (outra) tradição. Todos os anos, é escolhida uma pessoa natural da localidade ou dela descendente, para encarnar a figura de um rei, ficando a seu cargo a organização da festa, que dura dois dias.
Começa na véspera dos Reis. Carlos Correia comandou um grupo de tocadores de gaitas de fole, caixas e bombos que percorreu a aldeia, “Fizemos uma arruada, fomos entregar 350 quilos de tremoços e 250 litros de vinho em cabaças tradicionais pelas casas da aldeia,”, conta o jovem de 23 anos, que tinha acabado de chegar à entrada da aldeia onde iria começar o ritual do segundo dia da festa. “Ainda não dormi nada”, revela.
É que a visita às casas durou toda a madrugada, na companhia dos gaiteiros do grupo “Encharca o Fole”, constituído por jovens da terra. “O antigo gaiteiro faleceu e havia dificuldade em arranjar alguém para fazer a festa, pelo que criamos este grupo”, conta Carlos Cadavez, um dos fundadores.
As 8.30 horas começou a segunda ronda. O rei ostenta uma coroa revestida a veludo e adornada de acessórios em ouro, emprestado pelos habitantes, voltou a percorrer a aldeia para receber a manda (donativos) para custear a despesa da festa.
A primeira paragem do Rei foi na casa de Fátima Ribas. “É um prazer todos os anos continuar a manter esta bonita tradição. Vai ser até acabar o mundo”, diz. Alguns metros à frente, o Rei entra na casa de Teresa Coelho. “É uma tradição muito gira e na minha família também já tive um irmão que foi Rei. É espetacular”, refere.
Carlos Correia acredita que ser o “mordomo” da festa é uma pretensão de todos os habitantes.
A festa acabou com a celebração da missa, onde aconteceu a cerimónia de entronização e passagem do testemunho. O rei retirou a coroa e colocou-a no novo “monarca”, que vai organizar a festa em 2025.