Cantor Nuno Guerreiro faleceu, na quinta-feira, aos 52 anos no Hospital São Francisco Xavier, vítima de uma infeção grave.
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Desarmava com a voz. Tocava sem pedir licença. Nuno Guerreiro, que morreu na quinta-feira, em Lisboa, aos 52 anos, vitimado por uma infeção generalizada, deixa um legado de sensibilidade, elegância e resistência – dentro e fora dos palcos. Cantor, intérprete, ex-bailarino e símbolo de uma geração, Nuno Guerreiro tornou-se uma das vozes mais singulares da música portuguesa, com um percurso que atravessou géneros, décadas e fronteiras emocionais.
Nascido em 1972, em Loulé, no coração do Algarve, o seu talento revelou-se cedo, entre as ruas de infância e os sonhos maiores que Lisboa viria a acolher. Na adolescência, mudou-se para estudar dança no Conservatório, e foi na dança que começou a moldar a entrega absoluta que caracterizaria também a sua música. Passou pela Companhia Nacional de Bailado, colaborou com os Diva e participou em concertos de Carlos Paredes – momentos que, nas palavras do próprio, o prepararam para tudo o que viria a seguir.
Invulgar e desarmante
Foi em 1992 que se deu a viragem decisiva: Nuno Guerreiro entra para a Ala dos Namorados, grupo pop fundado por João Gil e Manuel Paulo, e onde também esteve José Moz Carrapa. Com o seu registo de contratenor – invulgar e desarmante – conquistou o país com temas como “Solta-se o beijo” (um dueto inesquecível com Sara Tavares, falecida com 45 anos), “Caçador de sóis”, “Loucos de Lisboa” ou “Fim do mundo”. A Ala dos Namorados tornou-se, muito a expensas da sua voz inconfundível, um fenómeno da pop romântica portuguesa dos anos 1990.
Ao longo dos anos, gravou oito álbuns de estúdio com a banda, dois registos ao vivo e uma compilação de êxitos. Mas a sua alma era inquieta. A solo, lançou quatro discos: “Carta de amor” (1999), “Tento saber” (2002), “Gangster mascarado” (2011) e “Na hora certa” (2022) – e reinventou-se em cada um, movido por uma curiosidade quase infantil e por um respeito absoluto pela palavra cantada.
Sempre o Algarve
Recentemente, abraçara um novo projeto, Nuno Guerreiro & Mau Feitio, formado por músicos do Algarve, com quem tocou em março num concerto com a Banda Filarmónica da Sociedade Artistas de Minerva, já filmado e com edição prevista em DVD. Ainda em 2024, anunciara uma versão de “Os verdes anos”, de Carlos Paredes, num gesto de homenagem ao mestre que o escutou, acreditou e, sem saber, lhe abriu a porta da Ala dos Namorados.
A sua última grande paixão artística foi o projeto “Zeca Sempre”, ao lado de Olavo Bilac e Tozé Santos, que revisitava a obra de José Afonso com um olhar novo. Tal como Zeca, Nuno cantava com corpo inteiro, sem medo da fragilidade, com coragem na voz.
Nuno Guerreiro não foi apenas um cantor. Foi um intérprete da emoção, alguém que se recusou a endurecer, mesmo perante a dor. Falou publicamente sobre episódios de violência doméstica que sofreu, tornou-se símbolo de resiliência, e usou a sua história como ponte para os outros.
Tinha voltado a viver em Loulé, onde trabalhava com o Cineteatro na área da produção e direção de cena. Partiu demasiado cedo. Todavia, o que deixa é maior do que o tempo. A voz de Nuno Guerreiro não se esquece – porque há silêncios que só ela pode preencher.