O antigo primeiro-ministro Pedro Passos Coelho acusa Luís Montenegro de se "tentar desligar" da herança passista. Sobre Paulo Portas, recorda impasses e a falta de confiança da troika no antigo líder do CDS-PP.
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Numa entrevista ao podcast “Eu Estive Lá” , da "Rádio Observador", Passos Coelho afirmou que o atual primeiro-ministro Luís Montenegro "tornou-se uma possibilidade de liderança dentro do PSD" pelo trabalho que fez como líder parlamentar. "Teve essa oportunidade e trabalhou bem nela porque realmente foi um grande líder parlamentar", referiu, acrescentando que "de contrário, não creio que alguém se fosse lembrar dele para esse efeito".
O antigo primeiro-ministro acusou Montenegro de se afastar da herança passista. "Ele faz parte dessa herança e desse legado. Em que medida é que ele se quer desconectar mais desse seu próprio passado também ou não, não sei. A mim parece-me que foi muito evidente durante os últimos tempos que houve essa preocupação de tentar desligar”, continua.
Por outro lado, afirma que "é importante que os partidos possam ter uma perspetiva para o futuro". "Às vezes é um equilíbrio difícil de fazer. Não quer dizer que se renegue o passado, mas se andarmos sempre só a defender o passado ou com o passado ao colo, a gente não consegue abrir tanto ao futuro. Ele saberá como é que quer fazer as coisas e a última coisa que quero é andar a criar constrangimentos", garantiu.
Troika "não confiava" em Portas
Na mesma entrevista, Passos Coelho refere que a troika (termo usado para se referir ao grupo que junta a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional) não confiava em Paulo Portas, antigo líder do CDS-PP. “Julgo que ele não sabe isto, mas, para impedir uma humilhação do ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, obriguei o ministro das Finanças a assinar comigo e com ele a carta para as instituições. Assinámos os três. Paulo Portas não sabe disto. Não sabe que foi uma exigência minha, porque o que a troika exigia era uma carta dele, assinada por ele, porque não confiava nele", recorda.
O antigo primeiro-ministro acusa ainda Portas de bloquear as negociações para a sétima avaliação da troika. “O próprio CDS não tinha uma medida alternativa. Não a apresentava. Não aceitava aquela, mas não apresentava uma equivalente", conta Passos. “Informei o presidente da República e convoquei um Conselho de Ministros para explicar ao Governo que íamos falhar a avaliação porque Paulo Portas não aceitava aquela avaliação. E, portanto, o que se passaria a partir daí era uma incógnita, mas uma incógnita limitada. Então o que é que se viu? Para mim é um mistério, mas Paulo Portas mudou de opinião. Eu creio que foi o presidente da República".
Cavaco "nem sempre ajudou"
Embora reconheça que teve uma "discordância severa e assumida" com o presidente na altura, Cavaco Silva, Passos Coelho admite que teve um "relacionamento impecável" com o chefe de Estado, que salvou "o governo mais do que uma vez". "Nos momentos difíceis, tive o apoio dele e isso foi importante e foi importante para o país. Porque, se tivesse falhado, o país teria falhado também", confessa. Ainda assim, sublinha que o presidente "nem sempre ajudou". "Algumas vezes desajudou", completa.
“Julgo que o presidente da República, não direi que da mesma maneira que Paulo Portas, porque o presidente da República é um professor de Finanças Públicas, é um homem que foi primeiro-ministro 10 anos e, portanto, era uma pessoa com outra preparação. Mas de outro tempo. Quero dizer, a leitura que o presidente da República fazia do que se passava nas instituições europeias naquela época tinha pouco a ver com o que se tinha passado 20 anos antes na sua experiência governativa. Ele acreditava que as instituições tinham a obrigação de proceder de outra maneira, mas não procediam. E não era pelo governo português dizer, ‘olha, eu isso não faço’, que elas passariam a concordar connosco", afirma.