Autor de álbuns seminais da música portuguesa, com destaque para "Por este rio acima", o músico e compositor Fausto Bordalo Dias faleceu esta segunda-feira, aos 75 anos, em Lisboa, "vítima de doença prolongada", confirmou o seu agente.
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Nasceu algures no Oceano Atlântico, a bordo de um navio chamado Pátria, e foi precisamente em torno da ideia de viagem - física e espiritual - que grande parte da obra de Carlos Fausto Bordalo Gomes Dias se construiu.
Embora tenha sido registado numa pequena freguesia do concelho de Trancoso, foi em Angola que viveu a infância e a adolescência. Foi também na então colónia portuguesa que a música se tornou um foco de interesse na sua vida, procurando já aí conjugar os ritmos africanos com a tradição popular portuguesa. Duas matrizes fundamentais de uma sonoridade que ajudou a revolucionar a canção feita em português.
A chegada a Lisboa, em 1968, para estudar no antigo Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina, onde se viria a licenciar em Ciências Sócio-Políticas, aproximou-o do movimento associativo e de compositores então emergentes como José Afonso, Adriano Correia de Oliveira e Manuel Freire.
O primeiro EP, homónimo, data de 1969, um ano antes do primeiro álbum, e dele fazia parte o single "Chora, amigo chora", com o qual venceu O Prémio Revelação da Rádio Renascença.
Fortemente marcados pelos anos da revolução, os álbuns "Pró que Der e Vier" (1974) e "Beco sem Saída" (1975) reforçaram o seu estatuto no meio musical, mas a sua obra maior chegou no início da década seguintes. A partir da obra "Peregrinação", de Fernão Mendes Pinto, e da "História Trágico-Marítima", de Bernardo Gomes de Brito. compôs e gravou "Por Este Rio Acima", ainda hoje considerado um dos discos essenciais da música portuguesa.
Com as participações de Pedro Caldeira Cabral e Júlio Pereira, o álbum inaugurou a trilogia "Lusitana Diáspora", que inclui ainda os álbuns "Crónicas da Terra Ardente" (1994) e "Em Busca das Montanhas Azuis" (2011), o seu derradeiro disco. Nele, como escreveu o romancista Valter Hugo Mãe numa crónica publicada na "Notícias Magazine", Fausto alia o "folclore eufórico, (onde) não faltavam as luas, os medos, os mutilados" com "a profunda dor da multidão".
"Senti que tudo quanto significava a maravilha podia ser aqui, podia ser português. Senti que não estava longe. Estava ao centro. No centro do mundo", escreveu o autor de "Deus na Escuridão".
Já investido como trovador-mor da música popular portuguesa, sem deixar nunca a exploração sonora de outras latitudes. editou ainda discos como "O Despertar dos Alquimistas" (1985), "A Preto e Branco" (1988) e "Crónicas da Terra Ardente" (1994). Pelo meio lançou ainda com "Para Além das Cordilheiras" (1989), com o qual venceu o Prémio José Afonso.
Outro dos pontos altos da sua discografia aconteceu em 2003, ao compor "A Ópera Mágica do Cantor Maldito", um disco em que analisa a História portuguesa pós-25 de Abril.
No ano de 2009. Fausto, José Mário Branco e Sérgio Godinho esgotaram sucessivos Coliseus no Porto e em Lisboa com espectáculo "Três Cantos". Baseados nos repertórios dos três músicos, os concertos deram origem a um álbum com o mesmo nome.
As aparições públicas do cantautor tornaram-se cada vez mais espaçadas na última década. Ainda assim, revisitou em vários palcos o mítico "Por Este Rio Acima", que assinalou 40 anos, e recebeu o apreço das plateias que esgotaram os auditórios por onde passou.
Essa devoção pela sua obra também era evidente nas novas gerações. Na edição do ano passado do Festival da Canção, Filipe Sambado, Surma e Primeira Dama prestaram homenagem pública ao cantor, juntando-se a uma longa lista de admiradores onde também é possível encontrar Luísa Sobral, Paulo Praça e Pedro Mafama.