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Há dias em que basta um clique que não acontece. A luz apaga-se, o elevador pára no meio do andar, o café não sai da máquina. O restaurante fecha, o multibanco não funciona, o telemóvel transforma-se num tijolo inútil. E, de repente, voltamos à essência. Quem tinha notas na carteira, comprou pão. Quem tinha grelhador a carvão, fez jantar. Quem aprendeu a viver sem aplicações, teve respostas que o digital não soube dar. Quem teve rádio a pilhas teve informação. O apagão recente mostrou-nos que as nossas cidades são inteligentes, mas frágeis. Vivemos numa urbanidade de alta velocidade, mas sem rede de segurança. Tudo está dependente de um único fio de energia. E se esse fio se parte, o que sobra? Temos estado perante uma greve nos comboios. E mais uma vez, sem plano B. Sem respostas coordenadas de como chegar ao trabalho, à escola, ao hospital. A cidade não rima com o caos. O que acontece quando os transportes param, quando não podemos sair à rua, quando a luz falha, quando as mãos não têm ecrãs onde tocar? A pandemia já tinha avisado, mas esquecemos depressa. Cuidar da cidade é mais do que construir estradas ou instalar sensores. É prever eventos imprevistos, garantir os alimentos mínimos, que a criança continua a brincar, que o idoso não fique isolado. É criar uma cidade que tem plano B, quando tudo falha. Talvez o futuro passe por isso: voltar a dar valor ao essencial. E entender que viver a cidade também é planear a incerteza, para que, mesmo no escuro, a cidade continue a ser casa.