Obra de Vincent Lemire e Christophe Gaultier esteve nos tops francófonos e tem agora edição portuguesa.
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Por vezes o acaso faz bem as coisas e o sucesso - ou não - de uma obra fica também ligado ao momento da sua publicação. É o caso de "História de Jerusalém", edição recente da Levoir que em França foi publicada em 2022, beneficiando mais tarde do conflito em curso entre israelitas e palestinanos para chegar aos tops de venda francófonos. Mas, se a sua temática está na ordem do dia, será redutor limitar a isso o seu sucesso, pois os autores conseguem resumir quatro milénios da História da cidade, de uma forma bastante isenta, interessante e apelativa, conseguindo cativar e sustentar a atenção do leitor.
Fazem-no, abordando a sua situação geográfica, os seus recursos naturais, o domínio da cidade pelos vários impérios que a cobiçaram e as religiões - judaísmo, cristianismo, islamismo - que a reivindicam, evocando muitas das suas histórias, crendices e superstições. E também as sucessivas alianças e confrontos pelo seu domínio, entre judeus, gregos, romanos, persas, turcos ou britânicos, forjando nessa comunhão, mesmo quando indesejada, as bases de uma identidade cosmopolita e multicultural.
Como curiosidade, a obra de Vincent Lemire e Christophe Gaultier tem como narrador uma oliveira, árvore conhecida pela sua vida longeva e centenária, o que lhe permite existir desde a origem de Jerusalém e até à actualidade. Uma oliveira com 4.000 anos, situada no monte que delas herdou o nome e que se tornaria famoso 2.000 anos depois, devido aos acontecimentos lá ocorridos na época da criação de uma das grandes religiões ligadas à cidade, o cristianismo. Curiosamente, o acontecimento que vai potenciar Jerusalém como referência e fonte de eternas disputas, o ministério e crucificação de Jesus Cristo, nesta história não chega a ocupar duas páginas.
E aceitando-se ou não esta conexão religiosa no seu conceito extremo, associada às diferentes religiões que a defendem e reclamam, não deixa de fazer pensar a forma como a metrópole
resistiu a tantos ciclos de ocupação/destruição/reconstrução, parecendo desfrutar de uma certa protecção divina...