Áudio polémico envolve autoridades gregas no naufrágio que matou 600 migrantes no Mediterrâneo
A 14 de junho de 2023, um barco com 750 migrantes naufragou ao largo da Grécia. Tinha partido uma semana antes da Líbia. As autoridades helénicas sempre negaram negligência no socorro, mas um áudio agora divulgado compromete a veracidade das afirmações sobre um dos piores desastres no mar Mediterrâneo com migrantes.
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A gravação dá conta de que o capitão do "Adriana" recebeu instruções para que os migrantes a bordo dissessem que queriam ir para Itália a uma embarcação grega que se aproximou do navio antes dele naufragar.
"Um barco vai ter convosco para vos dar combustível, água e comida. Dentro de uma hora, vamos enviar um segundo barco, ok? Diga ao capitão do grande barco vermelho que não querem vir para a Grécia, ok?", afirma um oficial da guarda costeira grega numa chamada telefónica para o capitão do barco dos migrantes no final da tarde do dia 13 de junho. A resposta do capitão do "Adriana" não se ouve na gravação agora difundida.
Numa segunda chamada, uma hora e meia depois, pelas 22.10 horas locais, um outro oficial, do mesmo posto de coordenação, dirige-se ao capitão do "grande barco vermelho", o "Lucky Sailor". "Disse-me que lhes tinha dado comida, água e eles disseram-lhe que não queriam ficar na Grécia e que queriam ir para a Itália, eles não queriam mais nada?". "Gritei-lhes com um megafone 'Grécia ou Itália?' e todos ali gritaram Itália", responde o capitão grego. A conversa entre os dois homens prossegue, com o capitão do "Lucky Sailor" a dar conta de que o barco dos migrantes estava completamente sobrelotado. Em resposta, o oficial no posto reitera que quer que o capitão do barco que abasteceu o navio com os migrantes escreva no seu relatório que estes "não queriam ficar na Grécia, não queriam nada da Grécia e queriam ir para Itália".
Um outro barco o "Faithful Warrior" abasteceu o "Adriana", que levava 100 crianças a bordo nessa fatídica noite, mas não há registo de conversas entre o capitão desse barco e as autoridades helénicas em terra.
Em resposta à BBC, a guarda costeira grega afirma que todos as comunicações, incluindo estas que agora chegaram a público, bem como os diários de bordo de todas as embarcações que interagiram com o "Adriana" estão devidamente incluídas na investigação em curso sobre a tragédia, um caso que está a ser analisado pela justiça internacional. Associações como a Amnistia Internacional e a Human Rights Watch continuam a apresentar muitas reservas sobre a idoneidade das autoridades gregas na análise a este caso.
Nas horas a seguir à tragédia - mais de 600 pessoas mortas, a maioria das quais para sempre perdidas nesse grande cemitério que é o Mediterrâneo - a guarda costeira grega tentou negar quaisquer acusações de negligência, mas uma investigação da BBC dava conta de que o "Adriana", um barco de pesca, esteve praticamente sete horas sem se mover até naufragar.
As equipas de resgate salvariam 104 passageiros na zona de Peloponeso, de várias nacionalidades - egípcios, paquistaneses, afegãos e palestinanos -, mas nem uma centena de corpos foi encontrada, numa zona onde o mar chega aos quatro mil metros de profundidade.
Os sobreviventes do naufrágio do "Adriana" contestaram o relatório da guarda costeira grega, relatando já na altura que foi apenas feito um esforço tardio e pouco musculado para rebocar o navio para local seguro. Algumas dessas pessoas processaram as autoridades de Atenas, alegando responsabilidade criminal pelo desastre.