Tanto a cantora norueguesa como a britânica fizeram jus à fama, com concertos marcantes. Michael Kiwanuka voltou a ser poesia.
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Ao segundo dia de NOS Alive, a batalha de concertos mais concorridos e poderosos da edição, que este ano está renhida, ganhou duas fortes candidatas: de um lado, da Noruega, a doce Aurora, no palco secundário; do outro, do Reino Unido, a fulgurante Dua Lipa, no principal.
Começando pelo fim: aos 28 anos Lipa, cantora de origem albano-inglesa com vários álbuns de sucesso, prémios acumulados, singles a perder conta, quem sabe uma participação na abertura dos Jogos Olímpicos de Paris daqui a uns dias, está numa fase de fama tão acentuada que um concerto seu não precisaria de ser necessariamente perfeito para resultar.
Basta olhar para a quantidade de seguidores fiéis, muitos deles bem novos, que só querem ver e ouvir a artista ao vivo, sentir a energia de temas como “Levitating”, cantar “New rules” ou “Houdini”.
A verdade é que a artista tem acumulado uma ótima reputação ao vivo: há semanas, em Glastonbury, o seu concerto foi apelidado por alguns meios britânicos de magistral, a Rolling Stone do Reino Unido chamou-lhe “triunfo completo”.
No NOS Alive, onde fechou o palco principal nesta sexta-feira, a britânica começou logo por conseguir um feito: num dia com bastante circulação e dispersão entre palcos motivou a primeira concentração massiva naquele local.
À hora certa entra a cantora, calções e top brancos e curtos, botas altas de cowboy a condizer, e logo começa com “Training season”, do mais recente disco.
“Radical optimism” tem dois meses de vida e sucede-se ao famoso e icónico da pandemia “Future nostalgia”- primeiro, a nostalgia do futuro; depois, o otimismo.
E otimista pode ser uma boa palavra para descrever a artista, desde a entrada em palco – enérgica, entusiasmada, feliz, são outras. Percorrendo os seus discos entre êxitos atrás de êxitos – por várias vezes no público, ouvimos algumas pessoas dizer “ahh, não sabia que esta era dela”, porque todas são conhecidas, Lipa ataca com tudo, dança o tempo todo de forma coreografada com diversos bailarinos, num palco irreconhecível, agora com um espaço próprio para a banda ao vivo, e escadarias, estruturas várias.
“NOS Alive, como é que vocês estão?”, começa por perguntar, e assim vai sendo ao longo de pouco mais de hora e meia, “NOSAlive” sempre colado como se fosse palavra una, a constante interação com o público, a quem incentiva e elogia repetidamente a festa.
Entre temas como “One kiss”, “Break my heart”, “Levitating” – estão prontos para ir à lua?”, pergunta antes–, a cantora mostra também ao vivo ter uma voz irrepreensível, e não perde o pico de energia, assim como não desiste das declarações constantes.
Depois de “Be the one”, explica como aquele tinha sido um “dia louco”, no qual o concerto no “NOSAlive” e a multidão que a vê-la, “a cereja no topo do bolo”. “É nestes momentos que me lembro porque faço isto” frisa, elogiando ainda o “bonito festival” e “como é bom tanta gente ali a partilhar momentos juntos”. Diz mesmo que percebeu como o evento é inclusivo, algo que elogia marcadamente.
Verdadeira mestre de cerimónias, ao mínimo sinal de esmorecimento por parte do público, mesmo que a meio de uma canção, Dua Lipa puxa por ele, comanda-o; a dado ponto, com ligeiros gestos da mão esquerda e direita, cria duradouras competições de gritos entre os dois lados da plateia.
Depois de uma secção do concerto mais em modo dance music, tempo ainda para “New rules", do disco de estreia homónimo, lançado em 2017, aqui também numa versão mais mixada e com um salto coletivo da plateia pelo meio, depois da artista pedir a todo o público para se baixar e levantar em conjunto.
Ainda nesta fase mais “discoteca”, passagem por “Cold heart”, tema que junta o refrão de “Rocket man” e os versos de “Sacrifice”, de Elton John, e rápido se caminha para um final apoteótico, com direito a “Physical”, “Don’t start now” e “Houdini” já com o público todo em festa total, fogo de artifício por cima.
Doce e radiante Aurora
Com quase 10 anos de uma carreira impressionante, a norueguesa Aurora voltou a Portugal depois de muitos (e bons) anos ausente, perante um palco Heineken compreensivelmente a rebentar pelas costuras.
Descalça, com um vaporoso vestido vermelho, gigantes olhos azuis e a franja característica, a cantora norueguesa deu um dos melhores concertos da noite, senão desta edição do festival. A artista e ativista é um doce, a sua voz é doce, a música é doce – mas com pop, indie, folk, alguma eletrónica.
O seu concerto é como uma performance, mas onde tudo é genuíno, diferente, natural, fazendo a esse nível lembrar Björk. Há alguma aparente timidez, a tal doçura, mas também muita garra, emoção, teatralidade nos movimentos. Enquanto canta, muito dança, por vezes delicada como uma bailarina, outras de forma quase tribalista.
“To be alright”, “The river”, “A soul with no king” – aqui o público já totalmente a seus pés – lançaram o espetáculo, mas houve muito mais para ouvir. Depois de “Heathens” e “When the dark dresses lightly”, Aurora explica ao público como “não vinha a Portugal há muito tempo”, anunciado o regresso em maio, perante uma ovação. Mostrando-se muito agradecida, ataca ainda temas mais conhecidos como “Runaway”, até ao último “Giving in to the love”, sem ninguém a arrecadar pé antes do final.
Cinco minutos depois do início do concerto de Aurora, percebe-se o fenómeno: não é só a música que é boa, é todo o conjunto que é fresco, original, honesto e por tudo isto, muito cativante. Há pessoas vestidas de pelicano a dançar no público, avós que conhecem tudo a dançar com netas que conhecem tudo, pessoas a chorar, é tudo um pouco estranho, tudo muito bom.
Arlo Parks v Kiwanuka
Pelas 22 horas, Arlo Parks entrou no Palco NOS, em substituição de Tyla, que cancelou a sua passagem por Portugal.
A cantora britânica já tinha passado por Paredes de Coura e pelo Primavera Sound Porto, com prestações bem sucedidas. Aqui, numa hora difícil – “competiu”, num só concerto, com dois dos nomes mais esperados deste ano no Palco Heineken, ao início Aurora e ao final Michael Kiwanuka - Parks mostrou temas do disco de estreia "Collapsed in Sunbeams”, que venceu um Mercury Prize em 2001, e do mais recente “My soft machine”.
Nos álbuns, tal como na cantora em palco, há vulnerabilidade, verdade, pop indie bem feito, tal como se prova em temas como “Bruiseless”, “Weightless”, ou “Caroline”: alguns dos melhores momentos num bom concerto onde a hora e o aparente desconhecimento do público não ajudaram.
Já Michael Kiwanuka é bem conhecido dos portugueses, que voltou a brindar com um momento de poesia, que é como se pode descrever o cantor, ou um qualquer espaço, quando o músico nele canta.
Aos 37 anos, o britânico filhos de pais ugandeses que começou por ser comparado a Marvin Gaye, Curtis Mayfield, Bill Withers, ou Otis Redding, e que de facto tem muito em comum com eles, há muito que encontrou a sua voz, e ela é quente e aveludada, conta histórias e denuncia imperfeições.
Sempre discreto, de guitarra acústica ou elétrica ao peito, por vezes ao piano, com três cantoras em palco e uma banda, Kiwanuka arrancou o concerto num morno crescendo, com “Hard to say goodbye”, “You ain't the problema” ou “Rolling”, mas foi com “Black man in a white world” que recebeu um entusiasmo mais coletivo do público.
A partir daí, o soul invadiu o espaço lotado, num alinhamento a incluir temas como “Rule the world”, “Hero”, o novo “Floating parade”, ou single que mostrou o cantor ao mundo, “Home again”. E ainda assim a deixar de fora inúmeras pérolas, como “I’ve been dazed”, para nomear apenas uma.
Houve tempo ainda para músicas como “Solid ground” e, no final, os muito celebrados “Cold little heart”, da série “Big little lies”, e “Love & hate”. “Quanto mais poderemos tolerar?”, pergunta Kiwanuka na letra, amor e ódio sempre lado a lado, em luta, ficando porém a certeza que, onde quer que ele esteja e cante, é o amor que vencerá.