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Não me recordo o contexto em que o ouvi: “Casamos e somos um Cabaz de Natal, à frente o caviar e o champanhe e atrás o atum e a sardinha”. Não sei onde foi, mas apontei a frase de José Gameiro, psiquiatra e especialista nesta coisa do amor e desamor, das relações entre pessoas, dos compromissos, dos encornanços, das esperanças renovadas, dos filhos e enteados, da rotina e da paixão.
Os casamentos são um desafio à nossa condição. Mudamos ao longo da vida, nós e quem adormece connosco. Ao fim de dez anos de estarmos com alguém não somos o mesmo, nós e a nossa “cara-metade”, expressão que abomino. Por isso, é muito bonito quando um casamento resulta pois é a prova de que nos transformámos em conjunto com o que temos ao lado, um milagre de superação de egoísmos, ego e ambições que recalcamos sedentos de uma ambição maior.
Acredito que Gameiro não quis dizer o mesmo que eu. Falava de um jogo de aparências do casal, um teatro em que, tantas vezes, mostramos caviar ao povo e vamos para a cama com o desejo de o comer – e não falo apenas de caviar, muitos de nós glorificam a relação que têm e pensam no bom que seria se aquela pessoa não estivesse. Prefiro pensar na frase de uma outra maneira. A relação que nos transcende, a que pode sobreviver uma vida, é aquela em que no centro do prazer e apaziguamento está sempre a pessoa que escolhemos. Lambuzamo-nos com ostras e caviar com o mesmo encantamento que nos deliciamos com uma lata de sardinhas ou de salsichas. Talvez o amor seja isso.