“Esta hora de espanto”, de Né Barros, está em cena no Teatro Carlos Alberto, no Porto. Espetáculo pode ser visto até domingo.
Corpo do artigo
Em “Esta hora de espanto”, Né Barros regressa a um território que lhe é íntimo e constante: o corpo como paisagem, como matéria frágil e política, como centro onde a imagem e a memória se inscrevem. Neste novo espetáculo, a coreógrafa propõe uma reflexão sensível sobre a ideia de catástrofe — não como momento súbito e espetacular, mas como um processo silencioso, acumulado, quase inevitável.
Uma erosão lenta que atravessa os corpos, o espaço e o tempo. A peça, construída em diálogo com uma ficção original de Tiago Mesquita Carvalho, convoca figuras à beira do colapso e uma paisagem em mutação onde tudo parece à beira de deixar de ser.
Tal como em “Lastro” (2015), em que os corpos ocupavam um lugar estranho sob um céu suspenso, também aqui se constrói um espaço em constante transformação. Mas “Esta hora de espanto” aprofunda essa inquietação: coloca os intérpretes num limiar onde o gesto já não é apenas dança, mas sobrevivência. Há uma tensão contínua entre a tentativa de significar e a inevitabilidade do desmoronamento.
O medo, a incompreensão, a fragilidade — tudo paira como atmosfera e como impulso.A colaboração com Carlos Guedes, compositor com quem Né Barros tem mantido um diálogo criativo contínuo ao longo dos anos, volta a ser fulcral. A sua música não ilustra, mas expande o espaço sensorial do espetáculo.
Sons que não decoram a cena, mas que a atravessam, criando camadas de densidade emocional e dramatúrgica. A sua composição é corpo também — invisível, mas presente —, criando um mundo sonoro que sustenta e desafia os movimentos em cena.
Essa cumplicidade artística, construída ao longo de múltiplos projetos, volta a provar que a relação entre som e gesto pode ser orgânica e provocadora.