Corpo do artigo
A discussão em torno das soluções para a habitação tem embutida uma questão de fundo de largo espectro: a diferença entre a evolução do rendimento e da riqueza dos portugueses. Os dois termos parecem sinónimos, mas não são e podem enviesar o inevitável debate sobre várias políticas, com especial destaque para o acesso a uma habitação condigna, um direito consagrado no artigo 65.° da Constituição da República.
O rendimento é um fluxo de dinheiro recebido durante um período (salários, pensões, lucros, rendas, benefícios sociais), enquanto a riqueza é o valor acumulado de ativos num determinado período (normalmente analisa-se numa base anual). Os preços das casas registaram um crescimento de 45% desde o final de 2019. A habitação constitui o principal destino da riqueza das famílias portuguesas, representando 51% do total, e a sua proporção aumentou em cerca de três pontos percentuais desde 2019. Se a habitação é o principal ativo e motor de crescimento da riqueza em Portugal, e se a dívida está concentrada nas famílias com menor património líquido (com 40% de todos os empréstimos para compra de casa e 42% de outras formas de crédito concentrados no segmento de menor riqueza), então a valorização imobiliária beneficia desproporcionalmente aqueles que já possuem ativos significativos.
A riqueza, ou património líquido, de um indivíduo ou agregado familiar é calculada como o valor total dos seus ativos (incluindo imóveis, depósitos bancários, ações, obrigações, entre outros) menos o valor total dos seus passivos (como empréstimos e hipotecas). Os estudos sobre a evolução das parcelas de riqueza do topo em Portugal indicam um declínio acentuado desde meados dos anos 50 até ao início dos anos 80. Um estudo de 2010 menciona que as parcelas de rendimento do topo voltaram a aumentar durante os anos 90. Os sinais dados deste então, através de publicações variadas, indiciam que as desigualdades de rendimento têm sido atenuadas (o papel do salário mínimo e aumento dos apoios sociais foram cruciais) e a evolução dos mais ricos tem sido sólida. Segundo o Inquérito às Despesas das Famílias 2022/23, as famílias nos dois decis mais elevados da distribuição da poupança são responsáveis por cerca de dois terços da poupança.
As políticas de habitação e a tributação de património tornam-se, assim, cruciais para mitigar estas dinâmicas de desigualdade de riqueza. Luís Montenegro garantiu que a regulamentação do fundo de emergência para a habitação, proposto pelo Livre no Orçamento para 2024, avançará em “poucas semanas”. Disse, por outro lado, que mais de 42 mil jovens já recorreram à garantia pública no crédito à habitação.