O empresário de tecnologia Pavel Durov nasceu na Rússia, fundou redes sociais extremamente populares, além de criar uma criptomoeda, acumulou uma fortuna multibilionária e enfrentou as autoridades não só na Rússia, mas em todo o mundo.
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A poucos meses de completar 40 anos, o empresário franco-russo, em tempos apelidado de "Zuckerberg russo" (em comparação com o fundador do Facebook, Mark Zuckerberg), foi detido no sábado após aterrar no aeroporto de Paris-Le Bourget, em França.
Natural de São Petersburgo, Pavel Durov ganhou notoriedade na Rússia aos 22 anos. Em 2006, após terminar a formação na Universidade de São Petersburgo, fundou a rede social VKontakte (VK), direcionada para utilizadores de língua russa - superando o Facebook em toda a ex-União Soviética.
Numa manobra típica do seu comportamento imprevisível, em 2012, despejou notas de valor elevado sobre os peões, desde a sede da VK no topo de uma livraria histórica na avenida Nevsky Prospekt, em São Petersburgo.
Após disputas com as autoridades russas, por se recusar a entregar os dados pessoais dos utilizadores aos serviços de segurança russos (FSB), e batalhas de propriedade, vendeu a plataforma e deixou a Rússia em 2014.
Durov demitiu-se da VK com um floreado típico: publicou uma foto de golfinhos com a frase "adeus e obrigado por todos os peixes", uma referência à série literária de ficção científica "À Boleia pela Galáxia", de Douglas Adams.
Telegram: a rede libertária
Em 2013, lançou um novo serviço de mensagens - o Telegram - que desenvolveu juntamente com o irmão Nikolai enquanto viajava de país em país. A plataforma ganhou força rapidamente, mas também se revelou controversa após críticas de uma alegada falta de controlo sobre conteúdos extremistas.
Pavel Durov radicou-se no Dubai e obteve a cidadania do arquipélago caribenho de São Cristóvão e Nevis. Depois, em agosto de 2021, conseguiu a nacionalidade francesa na sequência de um procedimento altamente discreto, sobre o qual Paris se mantém em silêncio.
Entretanto, o Telegram obteve um sucesso estratosférico, apresentando-se como um defensor das liberdades individuais, recusando a "censura" e protegendo a confidencialidade dos seus utilizadores.
Libertário assumido, Durov defende a confidencialidade na Internet e a encriptação nas mensagens, tendo recusado veementemente permitir a moderação de mensagens no Telegram. A rede social permite aos utilizadores publicar vídeos, fotos e comentários em canais que podem ser seguidos por qualquer pessoa.
Isto irritou as autoridades, especialmente no seu país de origem, e, em 2018, um tribunal de Moscovo ordenou o bloqueio da aplicação. Mas a imposição da medida foi caótica e, três dias depois, manifestantes "bombardearam" ironicamente a sede do FSB com aviões de papel - o ícone do Telegram.
Desde então, a Rússia desistiu de tentar bloquear o Telegram e o serviço de mensagens é utilizado tanto pelo governo russo como pela oposição, com alguns canais a ostentar várias centenas de milhares de seguidores.
O Telegram também desempenha um papel fundamental na guerra da Rússia contra a Ucrânia, documentada por bloggers de ambos os lados que publicam as suas análises e vídeos dos combates.
Os canais pró-Moscovo geridos pelos chamados "bloggers Z", que apoiam a guerra, revelaram-se extremamente influentes e, por vezes, criticam a estratégia militar russa.
Discrição e paternidade
Durov manteve-se uma figura inconstante e misteriosa, raramente dando entrevistas aos meios de comunicação social e restringindo-se a declarações, por vezes enigmáticas, feitas no Telegram.
Contudo, em abril, falou com o jornalista ultraconservador norte-americano Tucker Carlson para uma extensa discussão. "[As pessoas] adoram a independência. Também amam a privacidade, a liberdade. Há muitas razões pelas quais alguém mudaria para o Telegram", disse na entrevista.
Também não tem vergonha de publicar mensagens no seu próprio canal de Telegram, afirmando levar uma vida solitária, abstendo-se de carne, álcool e até café. Sempre vestido de preto, cultiva uma semelhança com o ator Keanu Reeves, do filme "Matrix".
Em julho, vangloriou-se de ser o pai biológico de mais de 100 crianças graças às suas doações de esperma numa dúzia de países, descrevendo-o como um "dever cívico", numa atitude que ecoa a de outro magnata da tecnologia - o fundador da rede social X e CEO da Tesla, Elon Musk.
De acordo com a última estimativa da revista "Forbes", a fortuna de Durov é de 15,5 mil milhões de dólares. Mas a toncoin, a criptomoeda que criou, caiu mais de 15% desde o anúncio da sua detenção.
O Telegram está há muito na mira das autoridades judiciais europeias devido às alegações de que alimenta teorias da conspiração, partilha apelos a homicídios e alberga plataformas de venda de drogas. No entanto, o fundador insiste que responde a todos os pedidos de remoção de conteúdos que apelem à violência ou ao assassinato.
Mandado de detenção
Pavel Durov, de 39 anos, foi alvo de um mandado de detenção em França, emitido pela unidade responsável pelo combate à violência contra menores (OFMIN), por crimes alegadamente cometidos no Telegram, que vão desde fraude ao tráfico de droga, cyberbullying e crime organizado, incluindo a promoção do terrorismo e de fraude.
As investigações foram confiadas à Unidade Nacional Cibernética (UNC) da guarda nacional e ao Onaf, o Departamento Nacional Antifraude ligado aos serviços aduaneiros, onde Durov se encontra detido em prisão preventiva.
O juiz de instrução de Paris responsável por esta investigação judicial prolongou no domingo à noite a sua prisão preventiva, que poderá durar no máximo 96 horas. Findo esse prazo, Durov poderá ser posto em liberdade ou apresentado àquele magistrado para uma eventual acusação formal.
A justiça acusa Pavel Durov de não ter tomado medidas contra a utilização criminosa da sua plataforma digital de mensagens instantâneas pelos assinantes, nomeadamente por falta de moderação e de cooperação com os investigadores.