Grande parte das vítimas de exploração sexual procuram apoio, mas carecem de assistência especializada
Muitas vítimas de exploração sexual partilham da necessidade de uma assistência especializada, e a longo prazo. O acesso à saúde mental é um dos maiores desafios. As mulheres adultas imigrantes são as principais vítimas e muitas não conhecem os seus direitos e a proteção que lhes deve ser prestada em Portugal.
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Estas são algumas das conclusões do projeto “Melhorar os sistemas de prevenção, assistência, proteção e (re)integração para vítimas de exploração sexual”, que incluiu entrevistas a 90 vítimas deste crime, das quais a grande maioria (82%) estava a receber apoio, mas não o suficientemente especializado para as ajudar a dar a volta necessária e saírem destas redes criminosas. Na apresentação do projeto, as investigadoras responsáveis reconheceram que os sucessivos governos têm encontrado medidas de assistência às vítimas, melhorado o acesso à justiça, consciencializado a população para o fenómeno e capacitado quem é responsável por prestar este apoio. Porém, ainda há um longo caminho a fazer.
Quanto ao perfil das vítimas entrevistadas, a maior parte são mulheres, com uma média de 45 anos, imigrantes de nacionalidade brasileira e romenas, que entraram neste meio desde cedo, aliciadas por “promessas enganosas”, mas há também casos de raptos. distribuídas pelas diferentes regiões do país, embora haja uma predominância no distrito de Lisboa, centro e Alentejo. São mulheres que, embora tenham conseguido legalizar a sua situação em Portugal, e muitas tenham finalizado os estudos até ao 12º ano, têm um baixo nível socioeconómico. Muitas acabaram envolvidas em redes de prostituição
Por seu turno, os criminosos condenados são maioritariamente homens de nacionalidade portuguesa na faixa etária nas casas dos 30 e dos 50 anos, que exercem diversas formas de controlo sobre as vítimas. Os profissionais envolvidos, quer no combate quer no apoio às vítimas, entrevistados no âmbito do projeto, identificaram como táticas mais comuns dos agressores promessas de relacionamento ou o uso da vulnerabilidade emocional das vítimas.
Marlene Matos, psicóloga responsável pelo trabalho desenvolvido no último ano, salientou que o acesso a apoio psiquiátrico e psicológico é um dos maiores desafios apontados pelas vítimas, o que se torna crítico tendo em conta que se tratam de pessoas que “acumulam experiências de vitimização” ao longo da vida, com passados traumáticos, que deixaram marcas de stresse e estados depressivos severos. Por outro lado, muitas das vítimas ouvidas dizem ter sentido falta de empatia por parte de quem as atendeu quando procuraram ajuda.
As vítimas partilharam também a necessidade de programas que as ajudassem a obter escolarização ou a formação necessária para tornar mais fácil a sua inserção no mercado de trabalho. A psicóloga defendeu que é prioritário ser traçada uma política clara de compromisso do Governo e das forças de segurança, entre outras entidades necessárias “O tempo de resposta é crítico. Qualquer atraso na resposta às vítimas têm sérias consequências”, alertou Marlene Matos.
Entre as recomendações que resultaram deste projeto, Rita Penedo, chefe de equipa do Observatório do Tráfico de Seres Humanos, salientou ser prioritário identificar os grupos vulneráveis e as causas, divulgar informações sobre os direitos das vítimas (nomeadamente as instituídas no estatuto das vítimas), desenvolver intervenções inclusivas e personalizadas a cada caso, esclarecer os direitos das vítimas no âmbito de processos crime, bem como apoiá-las na sua reintegração a longo prazo.
As investigadoras apontaram ainda que a pandemia trouxe desafios adicionais, desde logo ao aumentar a vulnerabilidade das vítimas e ao tornar mais difícil a deteção e sinalização destes crimes. Por outro lado, os confinamentos levaram os criminosos a recorreram a outros métodos para aliciar as vítimas, através sos meios online. Um risco agravado pelas redes sociais e pelo ciberespaço que tanto a ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, como a ministra da Juventude e Modernização, Margarida Balseiro Lopes, consideraram preocupante.
No início da sessão, Margarida Balseiro Lopes defendeu ser necessário reconhecer a transição deste fenómeno para o espaço digital. A governante reconheceu ainda a exploração de seres humanos, nomeadamente para fins sexuais, como uma das “linhas vermelhas”, alertando que Portugal não está imune a este problema, tendo sido registadas 358 sinalizações em 2022, mais 50 que no ano anterior.
Ainda no âmbito do projeto foram desenvolvidas várias ações de formação nas quais participaram 275 elementos das forças de segurança e mediadores. Está também em curso uma campanha de sensibilização que já começou a ser distribuída por todas as entidades parceiras, bem como por todos os municípios do país.
Lançado ainda em março de 2022, o projeto internacional - promovido pelo Observatório do Tráfico de Seres Humanos e a Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna, financiado pelos EEA Grants - teve como objetivos avaliar os sistemas de vitimização, agravados durante a pandemia, assim como das novas formas de violência contra mulheres e raparigas nas plataformas digitais, aumentar o conhecimento sobre a natureza da exploração sexual e caracterização sociodemográfica das vítimas e dos agressores.
No seminário de encerramento estiveram presentes o secretário da Administração Interna, Telmo Correia, a presidente da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG), Sandra Ribeiro, dirigentes da administração pública, representantes das forças de segurança, entre outros parceiros nacionais e noruegueses do projeto.