Primavera Sound: Fontaines DC pediram paz na Palestina em concerto de canções antológicas
Irlandeses debitaram esta quinta-feira a sua "power pop" na primeira grande atuação do festival que se realiza no Parque da Cidade, no Porto. Anonhi trouxe dramatismo e alertas sobre o ambiente. High Vis deram cacetada nos instrumentos.
Corpo do artigo
É fácil ser ativista à distância e a beber cerveja, mas esquecer, prescindir da voz, é ainda mais fácil e inútil. Foi essa a mensagem que os Fontaines DC lançaram na parte final do seu concerto de quinta-feira à noite, no Parque da Cidade, durante a primeira jornada do Primavera Sound Porto, que se realiza até domingo. “Israel está a cometer genocídio. Usa a tua voz”, podia ler-se, em letras garrafais, nos dois lados do maior palco do festival. No ecrã ao fundo, as cores da Palestina. Em cima do estrado, o vocalista, Grian Chatten, enrolado numa bandeira. Na audiência, palmas, gritos, algumas lágrimas. “Usa a tua voz”. É melhor que nada.
Antes e depois do momento político, os irlandeses encadearam boa parte dos temas do último “Romance” (2024), mas também vários de “Dogrel” (2019) ou “Skinty fia” (2022). Quase todos são emblemáticos e potencialmente duradouros na história do pop/rock. Possuem o classicismo que faz as canções resistirem: melodias impactantes, letras com significado, honestidade na entrega. Algumas ascendem a lugares altos, como “In the modern world”, uma joia de melancolia e ambivalência que fura gentilmente o coração. Já foram mais os “the boys next door”, para se tornarem, visualmente, estrelas flamejantes. Mas persiste o músculo pop e as subtis infusões de géneros como o rap ou o nu metal. Não foi o concerto mais triunfal que deram por cá, mas são claramente uma banda de topo, incapaz de defraudar.
Pouco depois, outro momento a transbordar classicismo. Agora como mulher, Anohni mantém intactas as qualidades que celebrizaram o homem Antony: voz líquida, frágil, pungente. Rodeada pelos seus Johnsons, que se distribuíam por piano, violoncelo, violino, saxofone ou guitarras, encabeçou um belo concerto de pop de câmara, ilustrado em fundo com imagens que Anohni captou no mar da Austrália - peixes coloridos, anémonas, corais - e polvilhado de mensagens de alerta sobre a crise climática. Para a memória, ficará a interpretação do espiritual do século XIX “Sometimes I feel like a motherless child”, onde convocou todo o seu dramatismo e alcance vocal, enquanto a banda tecia delicados ambientes emocionais.
O contraste abrupto chegou com os britânicos High Vis, que ficaram com a posta restante de um público maioritariamente colado ao concerto de Charli XCX, que se estreava em Portugal à mesma hora. O vocalista, Graham Sayle, exalava atitude punk por todos os poros, conseguindo, a cada frase que dirigia ao público, introduzir mais palavrões do que qualquer outro tipo de vocábulos. Já os outros músicos alargavam o escopo, tingindo os instrumentos com vários efeitos. Pura banda de choque, não cabiam de contentes por saírem da cave e se verem subitamente num festival como o Primavera.