“Operantípoda”, de Marcelo Evelin, está em cena no Palácio do Bolhão, no Porto, esta sexta-feira e sábado, às 19.30 horas.
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Um chapéu enorme, encavalitado num cenário de palha, dois homens imóveis como sentinelas de um ritual esquecido, sete bailarinos em negro absoluto. Começa assim “Bananada: Operantípoda (Parte I)”, a nova criação da Demolition Incorporada. Em cena no Palácio do Bolhão, integrada no festival portuense Dias da Dança, apresenta-se mais como arqueologia afetiva do corpo do que como espetáculo de dança. O silêncio inicial, pesado e prolongado, deixa-nos no limbo entre a curiosidade e a inquietação.
Este “objeto coreográfico físico e sonoro”, como lhe chamam, convoca o tropicalismo imaginado de um passado que nunca existiu. É uma ópera desconstruída, balbuciada, com zumbidos quase entomológicos que os corpos em palco traduzem em gestos mínimos, descompassados, como se cada um estivesse a ouvir uma música diferente dentro de si. E, de repente, um elenco interracial todos de mãos dadas num círculo perfeito: uma imagem que roça a publicidade de Oliviero Toscani, da Benetton dos anos 1990.
Há momentos belíssimos, é verdade. Um dos intérpretes, nu, transforma-se lentamente num espantalho, a palha a estalar sob os pés, o som seco dos corpos no chão. As vozes surgem como cantos litúrgicos em língua imperceptível, líricas mas ilegíveis. É bonito, mas é difícil. Para quem conhece os espetáculos anteriores de Marcelo Evelin há assaltos da memória, mas quando um espetáculo exige legendas, alguma coisa se perdeu na tradução entre intenção e receção.
“Operantípoda” está mais perto da performance do que da dança. Há uma fisicalidade bruta e cerimonial muito interessante, mas o risco é o de se tornar refém da sua própria estética. Tudo é despojamento e desconstrução, mas desconstruir implica também reconstruir algo.
Sim, o efeito visual dos figurinos de palha é forte, como também o é o trabalho sonoro (esse, sim, rigoroso e inventivo). Mas o excesso de simbologia : a nudez, a palha, o silêncio, o zumbido, por vezes gera mais saturação do que transcendência.
“Bananada” quer escavar a ideia de "estar-junto", de comunidade e ritual. E há momentos em que isso acontece. Mas há outros em que a escavação parece demasiado profunda, demasiado envolta em poeira conceitual.
Ainda assim, há qualquer coisa de corajoso nisto tudo, porque há risco. E isso, mesmo quando dá vontade de revirar os olhos, merece atenção.